Enquanto jovem estudei um tempo no Brasil.
Tive de aprender, então, a construir (e desenhar) a bandeira brasileira e a letra do hino. Na bandeira, as posições das 27 estrelas foram mais que um quebra-cabeças para um ainda miúdo. A parte mais simples foi, apesar de tudo, o desenho do losango e do círculo. As cores próprias empregues eram de “catálogo”. O professor que me acompanhou nesta tarefa, como aos meus colegas brasileiros, era absolutamente intransigente para com qualquer hipótese de falha. O verde era um determinado verde. O amarelo era um determinado amarelo. O azul era um determinado azul. A posição das estrelas era calculada e havia, por memória, um decreto lei ou uma lei brasileira que era necessário ler (e estudar) para levar a cabo tal tarefa. Ora para quem andava no 5º ou 6º ano de escolaridade a coisa era complexa. Foi complexa. Não fora a minha mãe (e as mães e pais dos meus colegas brasileiros) e acho que não teria chegado ao fim. Para, depois de toda desenhada ser pintada a guache e numa folha de tamanho A3. Foi, na altura, um calvário. Hoje, e passados muitos anos, considero o exercício muito interessante, proveitoso e pedagógico.
Depois da bandeira, ou em paralelo, tive que aprender o hino nacional brasileiro pois não bastava lembrar-me daquelas letras do “Ordem e Progresso” e como se inscreviam e desenhavam. A bandeira, só a bandeira, era pouco para um miúdo de 11 anos. A parte inicial, do Ipiranga, era a mais simples de decorar… Mas a que mais gostava era mesmo da Terra adorada/ Entre outras mil / És tu, Brasil/ Ó pátria amada!/ Dos filhos deste solo és mãe gentil/ Pátria amada/ Brasil!
Bom sublinhar que tinha apenas emigrado para o Brasil e que a minha pátria era, e é, Portugal, que a terra adorada era uma força de expressão e que a “pátria amada” era facilmente substituída pelos “heróis do mar” que me assaltavam a cabeça.
Um aspeto, porém, se aprende desde cedo. Quando se está fora essa coisa de pátria, de país de origem, de nação ganha uma dimensão como não ganha cá dentro. Certo sabido que era o “portuga” para os meus amigos e colegas brasileiros de turma. Como por cá o/a brasileiro/a é frequentemente o “brasuca”.
Tudo isto para referir que o contacto com os símbolos do Brasil, hino e bandeira, se fazia logo em pequeno. E que todos sabiam o hino. E que o cantávamos amiudadas vezes em determinados dias e festividades.
Nos Estados Unidos o hino nacional é referência para todos. Quem não trauteou já o hino americano ou não deu de frente com a parte do motto “In God we trust”. “Then conquer we must, when our cause it is just. / And this be our motto: / “In God is our trust“. / And the star-spangled banner in triumph shall wave / O’er the land of the free and the home of the brave!” E se se quiser testemunhar a importância do lema (“motto”) basta ver uma nota de vinte dólares para ler nela “in God we trust”.
Mais, a bandeira é uma referência absolutamente incontornável. As 50 estrelas representam os 50 estados norte-americanos. As faixas encarnadas e brancas, sete encarnadas e seis brancas, representam as 13 colónias que declararam independência ao Reino Unido. O encarnado vem da resistência e coragem. O branco da inocência e pureza. E o azul faz a ponte para a justiça, o trabalho e a vigilância.
Ao contrário da bandeira brasileira, onde o verde simboliza a casa de Bragança e o amarelo a casa de Lorena, reminiscências históricas, nos EUA as cores dão significado aos pilares da nação que pretende sempre (re)fazer-se e construir-se a cada momento, assente em valores e princípios universais.
Porém, num e noutro caso o ensino trata de dignificar a bandeira e o hino e trata de o difundir e de o adotar como símbolo de nações que se querem grandes (sendo ambos países bem diferentes). Num e noutro caso a bandeira e o hino são dimensões culturais, representativas, essenciais. São expressões de uma cultura que se pretende assente em símbolos que deverão ser adotados e apropriados por todos os que têm almas ou brasileiras ou norte- americanas.
No caso português, desconheço se a portuguesa se aprende nas escolas. E desconheço mais ainda se alguém tem de desenhar e pintar, nalgum programa de algum ciclo de ensino, a bandeira portuguesa para depois aprender o seu significado. Desconheço.
Porém, basta olhar para o orgulho e o sentimento de pertença com que brasileiros e americanos exibem a sua bandeira ou entoam os seus hinos para não ter dúvidas de que o fenómeno é interessante e simbolicamente muito rico.
Estes dois exemplos, um com presença no mundial de futebol (Brasil), outro sem presença (EUA), são francamente interessantes devido à cultura e carga simbólica que conferem tanto ao hino como à bandeira e, por conseguinte, aos seus países, suas pátrias amadas. Isso perpassa em tudo o que é marca, vestuário, adereços, tudo.
Por cá tivemos um Scolari que nos veio ensinar o hino nacional por causa do futebol. Antes disso poucos hasteavam a bandeira e o hino era aquela lengalenga que se cantava no 10 de Junho e pouco mais. As coisas estão diferentes, felizmente para melhor. É verdade que as televisões não fecham a emissão com o hino nacional e o hastear da bandeira, como se fazia antigamente quando só havia RTP. Até porque as televisões não encerram. Mas estamos melhor hoje do que já estivemos.
Porém, duvido sempre, e muito, sobre se os portugueses sabem o que significa o verde-esperança, o encarnado-sangue e/ou a esfera armilar (manuelina). O que são as quinas da batalha de Ourique (D. Afonso Henriques). Ou mesmo que as partes brancas nas quinas representam as chagas de Cristo. Mais, que os castelos da bandeira simbolizam castelos ganhos aos mouros. Enfim, desconfio que a bandeira podia e devia ser mais explorada e podia e devia ser símbolo, junto com a Portuguesa (hino) bastante mais estruturante na vida de todos nós.
Vem isto a propósito de quê? Do mundial de futebol que acaba no próximo domingo. Vi nele bandeiras e recriações de bandeiras de vários países. Como nele vi a bandeira portuguesa.
Pena que para muitos a bandeira signifique apenas futebol ou desporto internacional. Já não é mau, verdade. Mas é pouco. Porque deveria simbolizar história, com todos os dilemas e dúvidas que possam existir, representar memória e, também, forma como nos tornámos povo e erguemos esta nação que queremos nossa e que queremos preservar e engrandecer. E não será por estarmos na União Europeia que deixamos de ter símbolos. Até talvez precisemos mais deles. Porque os símbolos são essenciais para desenvolver a cultura de um povo e expandir tudo aquilo que faz o coletivo português.
A bandeira portuguesa não deve ser apenas hasteada por todos quantos andam lá fora. É verdade que sentem a saudade que os que estamos cá dentro não sentimos. Mas todos nós, dentro e fora de Portugal, com ou sem mundial de futebol, com ou sem desporto, deveríamos desenvolver um carinho especial para com a nossa bandeira e uma identificação cada vez maior para com a nossa Portuguesa.
São elementos a estudar. São elementos a desenvolver. São símbolos que, tal como os nossos heróis, devem ajudar a criar valores e a sedimentar o interesse por uma pátria portuguesa. Por uma terra de todos e para todos e aberta ao mundo. Mas uma terra nossa.
O mundial de futebol despede-se este Domingo. Mas que fiquem a bandeira e o hino e que não se abandonem, de forma alguma, aqueles que são os símbolos da nossa pátria amada. Quem os estuda, como e em que grau de ensino? Deveriam ser obrigatórios para criar e expandir cultura portuguesa.
Professor Catedrático; Director Académico – Formação de Executivos, NOVA SBE – Nova School of Business and Economics, crespo.carvalho@novasbe.pt