Se existissem dúvidas, a semana passada tê-las-ia devorado: a Educação ascendeu a consenso feel-good. Ou seja, converteu-se em chavão inconsequente para massajar egos políticos, que fica bem (e é útil) valorizar em todos os discursos, mas que na prática interessa muito pouco ao debate público.
No dia 26 de Julho, o Presidente da República vetou um diploma sobre as carreiras dos professores. Marcelo Rebelo de Sousa não ignorará que a sua decisão pisou limites orçamentais e políticos. Digamos, para simplificar, que se tratou de uma opção muito discutível do Presidente da República. E, sabendo-o, Marcelo apoiou-se no chavão: vetou o diploma sob o argumento de que a Educação é tão importante que deve ser prioridade política e merecer tratamento privilegiado. Como ninguém discorda da importância da Educação, o Presidente obteve o ganho político que procurava: o seu veto presidencial suscitou elogios, aplausos e concordâncias entre partidos, ocupando a agenda política e mediática, todos unidos à volta da Educação como primeira prioridade nacional.
No dia seguinte, 27 de Julho, o Tribunal de Contas emitiu um relatório de auditoria demolidor acerca do Plano de Recuperação da Aprendizagem, o Plano Escola+ 21|23, cuja missão consistia em proporcionar às escolas meios para recuperar os (brutais) danos causados aos alunos pelo encerramento das escolas no período da pandemia. Diz-nos o Tribunal de Contas que falta informação financeira e transparência orçamental para apreciar o esforço envolvido no Plano Escola+ 21|23 — não foram sequer definidos mecanismos de reporte e controlo. Diz-nos o Tribunal de Contas que houve insuficiência de recursos nas escolas, apesar dos reforços. Diz-nos o Tribunal de Contas que a monitorização do Plano Escola + 21|23 foi insuficiente ou inexistente, por falta de fixação de metas, de dados ou de actualização da informação. Diz-nos o Tribunal de Contas que a avaliação de impacto não existe por falhas no diagnóstico e na medição dos efeitos das medidas implementadas — não se sabe qual foi a “perda da aprendizagem” nem se sabe qual foi a “recuperação da aprendizagem”, apontando-se ainda reservas metodológicas aos relatórios oficiais do Ministério (DGEEC e IAVE).
Não resisto a citar dois pontos do relatório, que resumem o fracasso. O ponto 82: “a identificação de aspetos críticos da monitorização e avaliação do Plano 21|23, relacionados com o diagnóstico e a avaliação limitados, associados à inexistência de um sistema de recolha de informação nacional para aferir e comparar resultados antes e após a implementação das ações, com validade e fiabilidade, tornam difícil saber se e quando se atingirá o objetivo de recuperar as aprendizagens mais comprometidas”. E o ponto 89: “existem insuficiências na definição do Plano 21|23 relacionadas com as prioridades pouco claras, a insuficiente afetação de recursos, o excessivo número de ações e a inexistência de metas e de indicadores predefinidos para efeitos de monitorização e avaliação“. Está aqui um certificado de incompetência ao governo.
A cobertura mediática sobre este relatório do Tribunal de Contas foi escassa e discreta. Da pesquisa online que fiz, concluo que alguns órgãos de comunicação nem o noticiaram e que a maioria se limitou a uma breve referência. A principal conclusão que daqui se retira é que ninguém ficou inquietado com o falhanço de um plano de dois anos para a recuperação da aprendizagem, crucial para o futuro de milhares de crianças e jovens, sobre o qual não se consegue aferir custos financeiros ou resultados educativos. Isto no país que se levanta em aclamação sempre que alguém defende que a Educação deve ser prioridade nacional.
Quando escrevo “ninguém” estou a ser um injusto. Há quem se preocupe, tal como houve quem sobre isto escrevesse e alertasse ao longo dos últimos dois anos — eu fui uma dessas pessoas, ao lado de outras das mais variadas orientações políticas (os que me ocorrem de imediato: Susana Peralta, Luís Aguiar-Conraria, Miguel Herdade, Pedro Freitas, Carla Castro). Não o lembro agora só para poder dizer “nós avisámos”, mas para reforçar o ponto deste artigo: ninguém se importou então, ninguém se importou agora. As coisas são como são. Mas, ao menos, que se assuma a lição: a ideia de que o país se preocupa realmente com a Educação não passa de um mito.