Na semana passada passei por um dos rituais pelo qual passam todos os internos do ano comum que iniciam funções nos hospitais e dirigi-me à sala de saúde ocupacional a fim de realizar a consulta de Medicina do Trabalho, ali chegado disse bom dia e perguntei onde me devia dirigir para a respectiva consulta, a simpática funcionária lá me indicou onde me devia sentar e esperar a minha vez, agradeci a indicação e cumprimentei um senhor que envergava a farda de auxiliar de acção médica que já estava sentado e sentei-me ao seu lado, estivemos sentados lado a lado por volta de 5 minutos, tempo esse que eu passei olhando distraidamente para o telemóvel, altura em que o senhor foi chamado pela enfermeira.

Após sair da sua consulta tinha chegado finalmente a minha vez, entrei no gabinete, disse bom dia e sentei-me, a senhora enfermeira responde-me do seguinte modo: ”Está a ver aquele auxiliar que acabou de sair? É psicólogo, tem 50 anos e vai começar a trabalhar aqui”.

Devo confessar que não estava preparado para aquilo e senti um nó na garganta. Divaguei sobre o assunto com a enfermeira: o que levará um homem licenciado aos 50 anos a trabalhar como auxiliar de acção médica num hospital? A resposta é óbvia pensámos os dois, provavelmente tem família e como todos os pais não quer que nada falte em casa e em nome deles estará disposto a qualquer sacrifício.

Infelizmente para este homem, não existe um Mário Nogueira ou uma Rosário Gama sempre tão solícitos na defesa dos seus grupos de interesse, que levante a voz na defesa destas pessoas, desempregados de longa duração que se sujeitam a todo o tipo de trabalhos mesmo que sejam muito abaixo das suas habilitações, que já não têm direito ao subsídio de desemprego, que não se resignam a um rendimento mínimo de inserção.

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Muito provavelmente esta categoria, a de desempregados de longa duração, não entrou nas contas que a Geringonça fez quando disse que a austeridade tinha acabado, que iam voltar as progressões nas carreiras e aumentar as subvenções partidárias. Os desempregados, os jovens que já não estudam nem trabalham, os velhos que “entopem” as urgências dos hospitais, aqueles que auferem o salário mínimo, os emigrantes que vivem em bairros problemáticos, são estes que de facto mais sofrem na nossa sociedade mas que não têm ninguém que os defenda nem que lhes dê voz, que pagam dos combustíveis mais caros da europa em nome de um pretenso fim de austeridade que mais não passa de um logro que beneficia alguns dos que não são de longe os mais necessitados.

Esta é a oportunidade da direita portuguesa conseguir com um discurso simples mas eficaz apagar de vez a imagem que está ao serviço dos grandes grupos económicos e que a esquerda é a única que se preocupa com os mais pobres e desfavorecidos, este é o momento de pôr na agenda que apenas com um crescimento económico robusto será possível distribuir melhor a riqueza criada e diminuir as enormes assimetrias de rendimento que subsistem.

“Wir sind das Volk” (Nós somos o povo) foi o slogan usado pelos alemães de leste quando lutaram pela queda do muro de Berlim; com as devidas distâncias históricas, está na altura da direita portuguesa deixar de pedir desculpa por existir e passar a existir de facto.

Licenciado em Medicina