A ignorância e, a sua filha, a indiferença são terra fértil para o engodo de indivíduos e para a manipulação colectiva.

O desprestígio das humanidades nas últimas décadas tem-nos trazido consequências graves e somos hoje fantoches nas mãos de uma minúscula minoria que domina a linguística e a antropologia filosófica.

Foi assim em vários temas difíceis e vitais como o aborto, a eutanásia, a maternidade de substituição e, agora, a ideologia de género.

Mais uma vez, é através de um jogo com as palavras que somos levados. Abdicamos da possibilidade de encarar a realidade em nome de uma ilusão que acaba por se tornar num subterfúgio para os que sofrem e numa aparência de sentido para a grande maioria que, assim, já tem uma “razão” para encolher os ombros.

Neste caso concreto da ideologia de género pega-se no conceito de género gramatical da Linguística (o/a, um/uma, etc.) e deturpa-se o conceito de género da Biologia, que é usado pela taxonomia na classificação de seres vivos e que nada tem a ver com a questão dos sexos feminino e masculino.

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É para todos evidente o vínculo que existe entre o género gramatical feminino e masculino e os dois sexos biológicos, sendo que o género gramatical usado depende do sexo biológico da pessoa em causa.

O que hoje se requer já não é apenas quebrar essa ligação, como acontece quando reconheço que sou mulher mas quero ser tratada como homem.

Pretende-se ir mais longe e, para grande espanto, foi da  própria dificuldade de acabar com a evidência atrás indicada que nasceu a estratégia: permeabilizar o vínculo invertendo o sentido.

Como? Através de um truque linguístico. Cria-se a ilusão de que mudando o género gramatical se muda também o sexo biológico da pessoa, como se a biologia se adaptasse ao género gramatical escolhido e auto-percepcionado.

É esta a argumentação: sou mulher, mas sinto-me homem. Se os outros me tratarem como homem, eu passo mesmo a ser um homem biologicamente. Mudando o género gramatical, mudar-se-ia automaticamente o sexo ou como dizem de “género” biológico.

A outra mensagem que se pretende passar é a de que o sexo feminino ou masculino é algo de atribuído.

Ora o sexo não é atribuído à nascença, é determinado no momento da fecundação. Costuma-se mesmo dizer que é como jogar à roleta. É que nem sequer podemos fazer o paralelismo desta questão do sexo com, por exemplo, a questão da cor dos olhos, porque esta última está dependente de variantes genéticas hereditárias.

Mais uma vez, recorre-se ao conteúdo próprio de dicotomias das humanidades:  “condicional/necessário” da Filosofia e “direito atribuído/direito originário” do Direito.

Se conseguirmos passar a ideia de que o sexo biológico é algo de atribuído, conseguimos também defender que é algo de condicional ou disponível, ou seja, que pode ser diferente do que é e que pode ser retirado e alterado.

O sexo é algo de intrínseco a cada ser humano, eu não tenho um sexo, eu sou do sexo feminino e não há nenhum comprimido ou cirurgia que o possa alterar.

Trata-se de uma falácia própria destes tempos em que o ser humano só se vê reflectido nas câmaras do telemóvel, deixando de olhar à sua volta e abandonando o olhar do outro.

Como se a a auto-percepção e as nossas palavras tivessem o poder de alterar a realidade biológica.

Mas quem julgamos nós que somos?