Na passada quinta-feira, teve lugar em Washington, D.C. uma conferência para assinalar os 30 anos do Journal of Democracy (JoD). Mais de 300 pessoas reuniram-se no (apropriadamente designado) Mayflower Hotel. Vários painéis discutiram os desafios actuais à democracia no mundo. E todos prestaram também homenagem a Marc F. Plattner — co-director fundador com Larry Diamond do JoD — que vai agora retirar-se da direcção da revista (embora felizmente vá permanecer como Chairman do International Advisory Board do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa).

Há 30 anos, em Janeiro de 1990, o primeiro número do Journal of Democracy incluía artigos de autores tão distintos como Fang Lizhi, Leszek Kolakowski, Juan Linz, Jacek Kuron e Vladimir Bukovsky. De então para cá, a história do JoD tem sido uma história de invulgar sucesso para uma revista académica trimestral: a tiragem da edição impressa (pela Johns Hopkins University Press) não parou de aumentar e a revista encontra-se no topo dos várias rankings de revistas académicas com maior impacto.

No editorial que escreveu para esta mais recente edição de Janeiro de 2020 (que será reproduzido na edição 70 da revista Nova Cidadania), Marc F. Plattner destacou três aspectos cruciais sobre a situação actual da democracia no mundo. Estes aspectos foram retomados ao longo dos debates ocorridos no Mayflower Hotel, na passada quinta-feira.

Em primeiro lugar, Marc sublinhou as crescentes apreensões sobre a saúde das democracias ocidentais. Estas apreensões podem ser resumidas no declínio dos partidos de centro-direita e centro-esquerda que desde há muito sustentavam a vida democrática no Ocidente. Disputando o seu lugar, vêm emergindo novos partidos radicais, da esquerda e da direita radicais, usualmente descritos como populistas. O crescimento destes novos partidos populistas, juntamente com o crescimento das chamadas ‘redes sociais’, tem gerado uma polarização da vida política e um declínio da confiança nas instituições democráticas.

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Em segundo lugar, Marc sublinhou com enfática apreensão o reforço do chamado sharp power dos oponentes externos da democracia, sobretudo a China, a Rússia e o Irão, com particular destaque para a China. Isto gera sérias ameaças a democracias menos robustas, sobretudo em países com culturas políticas democráticas mais recentes e/ou mais débeis.

No passado, países que precisavam da protecção militar ou/e económica do Ocidente tendiam a pelo menos não hostilizar a democracia americana. Actualmente, os instintos não-democráticos (também designados eufemisticamente por ‘realistas’) nesses países sentem-se mais à vontade para negociar com os regimes autoritários, sobretudo com a China. E não deve ser menosprezado, sublinhou Marc Plattner, o apelo que o modelo chinês — que combina rápido crescimento económico com forte repressão política — pode exercer entre ‘elites’ com fraca ou nenhuma educação liberal e democrática.

Há no entanto um terceiro aspecto, acrescentou Marc Plattner, que não deve ser esquecido nem menosprezado. Trata-se do que designou, citando Carl Gershman, de ‘instinto pela liberdade’. A expressão na verdade remonta ao célebre discurso do saudoso Ronald Reagan no Parlamento de Westminster, na presença da saudosa Margaret Thatcher, em 1982. Disse Reagan nessa ocasião que ‘o instintivo desejo das pessoas pela liberdade e auto-determinação vem ao de cima repetidamente, mesmo nos regimes autoritários’. Esse discurso de Reagan em Westminster pre-anunciou a criação do National Endowment for Democracy (NED) em 1984, de onde viria a surgir, seis anos mais tarde, o Journal of Democracy. O Muro de Berlim caíra em Novembro de 1989.

Recordando aquelas palavras de Reagan e depois de Carl Gershman (fundador do NED e anfitrião deste Encontro no Mayflower Hotel), Marc Plattner observou que, apesar das dificuldades enfrentadas pelas democracias, não temos conhecimento de manifestações populares contra a democracia. Em contrapartida, têm crescido os movimentos populares contra os regimes autoritários , com destaque para Argélia, Bolívia, Hong Kong, Irão e Sudão.

Em suma, concluiu Marc Plattner, ‘a democracia está sob assalto, mas os democratas espalhados pelo mundo têm hoje um entendimento mais claro da necessidade de batalhar em sua defesa.’