Há que criticar quando está mal. E há que elogiar quando está bem. Na Educação, desde o primeiro minuto, assistimos às precipitações do ministro Tiago Brandão Rodrigues amontoarem-se ao ritmo do apetite feroz de PCP e BE – a abolição atabalhoada dos exames no ensino básico, a suspensão da prova dos professores que o próprio PS introduziu, o fim da pouca autonomia nas escolas para a contratação de professores. Ora, se essas e outras medidas mereceram crítica quanto à estratégia do governo no sector, duas outras decisões recentes merecem destaque e elogio – o assumir da batalha pela gratuitidade dos manuais escolares e o reforço da dotação orçamental para a educação especial. Elogio porque são ambas áreas que, desde há muito, apresentam problemas por resolver e injustiças carentes de reconhecimento institucional. E destaque porque, no passado recente, a resolução dessas injustiças nunca ascendeu a prioridade. Tiago Brandão Rodrigues, em três meses, atribuiu-lhes esse estatuto.
O drama dos manuais escolares dura há tantos anos que deixou de haver palavras para explicar o inexplicável. Como admitir o elevado custo dos manuais para as famílias no contexto da escolaridade obrigatória e gratuita? Como compreender o preço exorbitante dos manuais quando comparado às edições literárias que, com tiragens muito inferiores, são mais baratas? Como decifrar que governos revejam sucessivamente os programas e as metas curriculares, abrindo a porta para que as editoras publiquem novas versões e inviabilizem a troca de manuais? Como aceitar que essas novas versões sejam praticamente idênticas às anteriores e que, mesmo assim, os manuais anteriores deixem de servir? Como admitir que tenhamos, em Portugal, um sistema tão complexo de acreditação e certificação de manuais (e tão permeável às editoras)? Como encaixar que a lei estipule um período de vigência para os manuais e que esse período nunca seja cumprido?
As perguntas são as de sempre e, goste-se ou não, a resposta também: isto só acontece porque, na avenida 5 de Outubro, ninguém se importa. Afinal, o custo dos manuais não sai do bolso do orçamento de Estado e, com tantas batalhas por travar, nenhum ministro deseja abrir uma frente de combate com grupos editoriais. Ora, a equipa de Tiago Brandão Rodrigues mostrou importar-se, mesmo que a solução encontrada – a gratuitidade dos manuais no 1.º ano – não seja perfeita. Longe disso: abrange ainda poucos alunos e deixa as questões acima por responder. Mas assinala um ponto de partida num processo negocial exigente. E isso merece reconhecimento e elogio.
Outro dos dramas actuais do sistema educativo encontra-se na forma como integra os alunos com deficiência no âmbito da educação especial – alunos com necessidades educativas especiais, isto é, os alunos mais necessitados de apoio e as famílias mais frustradas com a ausência de respostas do Estado. Esta foi uma das áreas que maior controvérsia gerou durante o mandato de Nuno Crato e, olhando para os dados das execuções orçamentais desde 2005 (gráfico 1), é fácil perceber porquê: nos últimos 10 anos, dois dos três picos de menor investimento saíram do ministério tutelado por Crato (2012 e 2014). Além de que esta diminuição do investimento surge num período em que o número de alunos inseridos na educação especial aumentou continuamente: em 2010/2011 eram 47 mil, em 2015/2016 são 79 mil (dados DGEEC, Ministério da Educação). Nesse sentido, o corte de Nuno Crato foi duplo – menos dinheiro para mais alunos –, pelo que não será exagero concluir que a educação especial não constituiu prioridade política nos últimos anos.
Ora, a dotação orçamental da educação especial para 2016 mostra, pelo menos, que Tiago Brandão Rodrigues está consciente da sensibilidade da área e destes alunos. E se é certo que atirar dinheiro sobre os problemas da educação especial não os resolverá (muitos deles são legislativos, como apontou o Conselho Nacional de Educação), este foi um importante sinal de valorização dos alunos com necessidades educativas especiais. Naturalmente, aguarda-se com expectativa as alterações legislativas que o ministro reserva para a educação especial. Mas, até lá, o facto de a elevar à categoria de prioridade merece, por si só, elogio.
O ministro da educação arrancou o seu mandato revertendo, à pressa, medidas que estavam a funcionar ou que, no mínimo, careciam de avaliação. Fez mal. E entregou a estratégia para a educação ao BE, ao PCP e à Fenprof. Fez ainda pior. Mas agora fez bem: começou a corrigir algumas das desigualdades do sistema educativo português – na aquisição dos manuais escolares e no apoio aos alunos com necessidades educativas especiais. Sim, ainda é pouco. Mas já é mais do que outros fizeram no seu lugar.