Lê-se no ponto 6.2 do Programa do XXIV Governo que a Justiça carece de uma “reforma sólida” que passa, entre o mais, pela aposta numa “justiça económica” que funcione de forma “célere” e “eficaz”. Essa justiça económica é apontada como “pilar fundamental para o desenvolvimento sustentável, a coesão social e a competitividade do País”.

A celeridade e eficiência são, sem dúvida, características essenciais para que o acesso à Justiça seja um efetivo direito ao dispor dos cidadãos, e não uma mera proclamação constitucional. A morosidade judicial é usualmente atribuída à complexidade dos processos, à falta de salas de audiências, ao insuficiente número de magistrados e funcionários judiciais e às repetidas greves por melhores condições salariais. Tudo isto é verdade.

O Programa do Governo salienta também a insuficiência de meios alternativos de resolução de litígios e, por conseguinte, propõe “[r]eforçar e simplificar os procedimentos de resolução alternativa de conflitos no âmbito de causas de pequeno valor e de grandes litigantes, libertando os tribunais cíveis, e garantindo uma Justiça mais rápida e eficiente”. A proposta é boa e o objetivo é louvável. Todavia, muito mais poderia (e poderá) ser dito e feito neste contexto.

Em primeiro lugar, a nosso ver, o problema não reside propriamente na insuficiência de meios alternativos de resolução de litígios, mas na insuficiente utilização dos meios atualmente existentes. Julgados de Paz, arbitragem, conciliação e mediação: todos estes meios de resolução de litígios estão hoje ao dispor dos cidadãos portugueses como alternativa à chamada Justiça comum. O problema reside, isso sim, no escasso e insuficiente recurso a estes meios de resolução de litígios.

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Em segundo lugar, seria redutor limitar o recurso a estes meios alternativos a “causas de pequeno valor e de grandes litigantes. O Programa do Governo não limita expressamente, mas acaba por fazê-lo implicitamente ao não propor mais. É que, embora o recurso aos Julgados de Paz esteja legalmente limitado a causas de pequeno valor, essa limitação não se aplica à a arbitragem e à mediação.

Ora, no domínio civil e comercial, a arbitragem e a mediação são meios de resolução alternativa de litígios fulcrais quer para a desejada e “programada” justiça económica, quer para o desenvolvimento harmonioso das relações comerciais entre as empresas, à escala nacional e internacional.

A arbitragem é já bem conhecida pelas empresas, enquanto meio de resolução de litígios que oferece características especiais como a celeridade, a confidencialidade, a flexibilidade e a especialização dos decisores (os árbitros).

Menos conhecida e, por conseguinte, menos utilizada tem sido a mediação civil e comercial. A mediação é um processo conduzido por um profissional treinado para veicular o diálogo entre as partes, para o centrar nos verdadeiros interesses das partes (e não tanto naquilo a que cada uma julga ter direito) e, assim, ajudá-las a encontrar pontos de confluência onde antes só viam pontos de divergência. Ao contrário do que sucede num processo judicial ou arbitral, num processo de mediação são as próprias partes que decidem qual a solução a dar ao caso, não tendo o mediador qualquer poder decisório. Este empowerment das partes é, de resto, uma das principais vantagens da mediação, que justifica as reduzidas taxas de incumprimento dos acordos alcançados neste contexto. Além disso, trata-se de um meio de resolução de litígios muito célere e eficaz (de acordo com estatísticas recentes do Centre for Effective Dispute Resolution, 72% dos litígios são resolvidos numa única sessão de mediação) e, porventura, o único que oferece às partes a possibilidade de desenharem, quase livremente, a solução para o diferendo, permitindo e fomentando soluções mais criativas, que podem não passar pelo pagamento de uma indemnização, mas, por exemplo, por uma renegociação do contrato, por uma nova parceria ou pela prestação de um outro serviço que possa interessar ao credor e ao devedor.

O recurso à mediação comercial é muito frequente em áreas dos Estados Unidos da América, no Canadá, na Austrália, em zonas da Ásia e até na Europa (em particular, no Reino Unido e nos países nórdicos). Em alguns destes exemplos o recurso à mediação ou, pelo menos, a sua sugestão pelos juizes ou pelos advogados é imposto por lei, mas há ainda uma parcela significativa em que o recurso à mediação permanece facultativo e, ainda assim, tem assistido a um crescimento.

Em Portugal, a mediação é regulada pela Lei n.º 29/2013, de 19 de abril. O nosso Código de Processo Civil permite, desde 2013, que as partes remetam o litígio para mediação na pendência de qualquer processo judicial e, bem assim, que os próprios juízes o possam propor às partes. Para o efeito, existe inclusive uma lista de mediadores certificados organizada pelo Ministério da Justiça e vários centros privados de arbitragem e mediação com listas de mediadores cujos currículos as partes poderão analisar e escolher. Não obstante, até agora, fora dos julgados de paz, a mediação comercial não tem tido grande adesão.

Poder-se-á conjeturar se isso se deve ao perfil mais bélico dos povos latinos. Porém, se assim fosse, como se explica o crescimento que a mediação tem tido, nos últimos tempos, no Brasil ou até em Espanha? Poder-se-á também argumentar que é uma questão de tempo, pois também a arbitragem só conquistou Portugal alguns anos depois de ter conquistado os povos anglo-saxónicos e boa parte da Europa. Talvez seja também verdade, mas a lentidão da adoção decorrerá, com maior probabilidade, do desconhecimento, transversal a todos os envolvidos nos litígios: as empresas, os tribunais e os próprios advogados.

Poderá o nosso tecido empresarial ficar indiferente a esta realidade por muito mais tempo? Não teremos, nós, advogados, a obrigação de nos atualizarmos e formarmos para podermos prestar um serviço melhor, mais completo e mais adequado ao caso concreto aos nossos clientes? Não terá o Estado a obrigação de dar formação aos juízes para que saibam, também eles, como fazer uso desta possibilidade de remeter as partes para mediação, concorrendo diretamente para a melhoria da nossa competitividade, num dos fatores mais apontados?

A mediação não será a solução acertada para todos os litígios. Não obstante, haverá certamente vários casos, também de elevado valor, em que a mediação será “o” meio de resolução de litígios mais adequado, precisamente com vista à prossecução desta ”programada” justiça económica – deste modo. e, para usar a citação do próprio Programa de Governo, “libertando os tribunais cíveis e garantindo uma Justiça mais rápida e eficiente”, sem necessidade de legislação adicional.