Esta semana foi muito educativa. As pessoas que seguem as notícias tiveram a oportunidade de refletir sobre o facto de, apesar de todos os problemas e dificuldades, sermos um país com imensa sorte. Alguns já se terão esquecido, mas, há não muito tempo, Portugal era a enorme e deprimente coutada de Zeinal Bava, Isabel dos Santos, Ricardo Salgado e, claro, como não poderia deixar de ser, José Sócrates.
Nas páginas da secção de Economia dos jornais, os amigos, aliados e protegidos de Zeinal Bava referiam-se a ele, sem medo do exagero ou do ridículo, como “um dos melhores financeiros do mundo”, descrevendo-o, com abundância de generosidade, como “ambicioso, pragmático, imparável”. Para mostrar à nação que se tratava de um ser humano “frugal e informal”, partilhavam o detalhe comovente de que os almoços de trabalho na Portugal Telecom eram “à base de sushi e refrescos” (isto numa altura em que o sushi era o símbolo de status preferido dos exibicionistas e dos wannabes). Tentando parecer jovem, o enérgico líder da PT colocava o seu “homework” (sim, a expressão que Bava usava era essa) numa mochila informal e não numa pasta antiquada. “Nunca conheci um gestor como o Zeinal Bava”, diziam os iludidos — e nós, como perceberíamos pouco depois, também não.
Há dias, Zeinal Bava reapareceu nos jornais, mas agora nas páginas da secção de Justiça: foi condenado no Brasil a pagar uma multa de mais de 30 milhões de euros e está absolutamente proibido de gerir empresas no país durante os próximos dez anos.
Nos bons velhos tempos, Zeinal Bava cruzava-se nos melhores restaurantes de Lisboa com Isabel dos Santos. A “empresária” era conhecida, de forma superlativa, como “a princesa angolana” e os jornais citavam pessoas que se derretiam ao descrevê-la como “simpática”, “bonita” e “afável”. Além disso, como é evidente, era “uma boa empresária”, “extremamente dinâmica e inteligente”, “profissional” e uma “dura negociante”. Mandava no BIC, influenciava na Galp e condicionava no BPI. As muitas pessoas que, engravatadas em posições de poder, adoravam o abundante dinheiro angolano, procuravam educar os cépticos: em salas alcatifadas e de porta fechada, propagavam a tese de que os cleptocratas da corte de José Eduardo dos Santos estavam apenas na compreensível e inevitável fase histórica da acumulação primitiva de capital, que precede as economias modernas e respeitáveis.
Há dias, o atual Presidente de Angola reafirmou numa entrevista que o país espera que a Interpol cumpra o mandado de captura emitido em nome da filha de José Eduardo dos Santos, que está impedida de circular em países que levam a Justiça a sério.
Quando Isabel dos Santos e Zeinal Bava se pavoneavam nas ruas de Lisboa, éramos governados por José Sócrates. O brilho dele ofuscava. No dia em que a sua biografia foi lançada, com o título “O menino de ouro do PS”, Dias Loureiro, portador de uma lágrima fácil, partilhou sentir-se “emocionado” com o “lado dos afectos” que aparecia no livro. Distribuindo generosos elogios, referiu com admiração a “sensatez”, a “prudência” e “o optimismo de Sócrates, que faz muito bem a Portugal”. Anos depois, impante, José Sócrates declarava ser “o chefe democrático que a direita sempre quis ter” sem que alguém se atrevesse a contestá-lo.
Nesta sexta-feira, o ex-primeiro-ministro e agora arguido indignou-se com João Lourenço, que afirmou: “Não estou a imaginar Angola a ter a ousadia de levar a tribunal um José Sócrates”. Dizendo-se “profundamente ofendido”, censurou o Presidente angolano e declarou, ominoso: “Espero que não seja necessário voltar ao assunto”. Os bons espíritos encontram-se sempre.
Esta semana foi assim, com Zeinal Bava, Isabel dos Santos e José Sócrates a desfilarem novamente à frente dos nossos olhos. Na semana anterior, tínhamos sabido que o Tribunal da Relação agravou para oito anos de prisão a pena de Ricardo Salgado, que unia aqueles três num espetáculo de dissimulação e prestidigitação. Este depressivo regresso ao passado foi, lá está, uma lição útil. Da próxima vez que pensar que em Portugal nada muda e que a Justiça não funciona, lembre-se disto: há pouquíssimos anos, estas pessoas mandavam em nós e estavam em quase todo o lado. Monopolizavam os negócios, domesticavam os poderosos, fintavam a Justiça e tentavam silenciar os críticos com o chicote ou o desemprego. Não havia quase nenhum local de refúgio. Era impossível imaginar que, um a um, acabariam desta forma, num merecido exílio de vexame e desonra. Mas, como nos lembraram os jornais desta semana, salvámo-nos. Não querendo parecer melodramático, talvez seja bom notar que foi por pouco.