Ao longo dos últimos anos, e mais intensamente nos últimos meses, tem-se falado muito da falta de qualidade de vida material em Portugal – porque o sol, o peixe e o bom vinho ninguém nos tira – da falta de condições para aquisição ou arrendamento de casa, do caos da saúde, dos baixos salários, do acesso à educação e de mais uma série de temas essenciais do quotidiano.

Em bom rigor, há um destes temas que embora bastante debatido tem ficado pela espuma dos dias e raramente chega ao debate que merece. Diga-se de antemão, é por aqui que o problema da falta de qualidade de vida material e de todos os fatores supramencionados se poderá dissipar. Como disse há dias o Presidente da Câmara Municipal de Cascais, Carlos Carreiras, “se os salários fossem melhores, o problema da habitação estava resolvido”. Esta frase é de tal ordem uma verdade de La Palice que já nem sequer é discutida. No entanto, a outra verdade é que enquanto não for de facto discutida, todos os outros fatores continuarão com dificuldades crónicas em serem resolvidos.

Numa tentativa de simplificar o problema, os salários são o espelho e a materialização da capacidade produtiva da economia portuguesa. Essa capacidade produtiva caracteriza-se pelas valências do capital humano e pela estrutura do capital fixo, particularmente do tipo de atividade económica, do nível de modernização, da capacidade de produção e posteriormente da capacidade de escoamento, seja no contexto da venda de produtos, seja na capacidade de vender serviços de alto valor acrescentado.

O grande problema é que o país não despende tempo a debater que tipo de atividades económicas para além do turismo nos queremos especializar ao ponto de nos tornarmos uma referência mundial. Este entrave impede o desenvolvimento dos restantes fatores que levam a maiores níveis de produtividade da economia, e consequentemente a melhores salários, mas também a uma maior quantidade bruta de receita para o Estado – o que naturalmente significa mais recursos para a saúde, habitação, educação, justiça, etc.

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Olhando para exemplos concretos, e focado num conjunto de seis países com características demográficas semelhantes: Portugal, Bélgica, Grécia, República Checa, Suécia e Áustria, que embora apresentem modelos de Estado social diferentes, caracterizam-se por terem mercados de pequena-média dimensão com uma população entre os oito e os onze milhões de habitantes, Portugal é o segundo país com o PIB per capita mais baixo. No contexto da estrutura económica de cada país, um bom exemplo para materializar esta visão é a análise do que é que cada país representa para o mundo. Por exemplo, de acordo com o Observatório para a Complexidade Económica, no ano 2021 a Áustria foi o maior exportador mundial de carpintaria de madeira, de fibras de gramagem e de produtos ferroviários, a Suécia foi o maior exportador mundial de chassis de automóveis e ferro em pó, a Bélgica foi o maior exportador mundial de vegetais congelados. A República Checa, embora sem nenhuma posição em primeiro lugar, tem como principais exportações exatamente as mesmas que Portugal, automóveis, peças e acessórios, no entanto, Portugal exporta um total de 6 mil milhões de euros nestes produtos (muito à custa da presença da Autoeuropa) enquanto a Rep. Checa exporta um total de 33 mil milhões de euros.

No contexto dos serviços, a situação é igualmente preocupante, a dependência de Portugal face ao turismo é notória, representando o dobro do peso face ao segundo maior contribuinte, a atividade de serviços comerciais e profissionais diversos. Para termos uma ideia, a Bélgica exporta em serviços cerca de 93 mil milhões de euros por ano, a Áustria 52 mil milhões, a Suécia 49 mil milhões e a Rep. Checa, apesar de estar ao mesmo nível que Portugal, i.e. 22 mil milhões anuais, consegue competir por via da especialização e dimensão dos produtos que exporta.

Posto isto, são notáveis as deficiências estruturais da economia portuguesa quando comparada com mercados de dimensão semelhante. Jamais será possível ter salários competitivos capazes de fazer face ao aumento do custo de vida e em simultâneo garantir que o Estado arrecada receita suficiente para executar a sua função redistributiva enquanto continuarmos a ignorar estes factos.

O debate está diariamente centrado nas circunstâncias conjunturais vividas ao invés dos desafios estruturais do país, começando primeiramente pela fonte de riqueza, ou seja, a atividade económica do país. Sem uma economia robusta, forte e competitiva, que se especialize, com uma estratégia e com condições para um aumento real do custo do capital humano, ou seja dos salários, jamais será possível resolver os problemas da habitação, da saúde, da educação e do sistema de segurança social. No fim do dia, o que falta é dinheiro.