Há uma velha “máxima” que diz qualquer coisa como isto: “se não sabe do que está a falar, confunda-os”. O relatório da Comissão Técnica Independente (CTI) sobre a localização do novo aeroporto tem mais de 3400 páginas. Nada melhor para confundir do que a quantidade. No entanto, ao contrário do que afirmou a CTI, não se baseia em factos, mas em hipóteses discutíveis e “criativas”.

Uma conclusão polémica é a inviabilidade da opção de Santarém, por razões aeronáuticas. Contudo, uma análise mais detalhada levanta dúvidas sobre essa conclusão, especialmente quando a NAV Portugal, responsável pelo estudo de navegação aérea, desmente isso mesmo. A CTI, de forma questionável, parece ter tomado uma decisão “política” ao inviabilizar essa opção.

O relatório também apresenta deficiências na análise económica, ao considerar apenas os benefícios de “potenciais” acessibilidades ao aeroporto (Alcochete e Vendas Novas), sem levar em conta os custos associados. Isso cria uma análise distorcida, assumindo a existência de infraestruturas que ainda não foram construídas. A CTI adota pressupostos surreais sobre as acessibilidades, desviando até a linha de alta velocidade para a margem esquerda do Tejo. Como é que isto consegue passar numa análise (dita) técnica?

Outro ponto de discordância é a definição da zona de influência de um aeroporto. Enquanto a Comissão Europeia estabelece uma fronteira de cerca de 100Km ou 60 minutos de viagem, a CTI utiliza uma definição diferente – sem introduzir qualquer justificação – de “30 minutos”, calculada ao longo da rede rodoviária, em condições normais de circulação. Ou seja, a partir da opção de Santarém, é possível chegar a Aveiras de Cima, a cerca de 37km pela A1, a uma velocidade média de 74km/h. A partir da opção de Alcochete, é possível chegar ao concelho da Amadora, a cerca de 55km, a uma velocidade média de 110km/h, atravessando Lisboa… O que são condições normais de circulação? É com ou sem trânsito? Fará isto sentido? Porque não foi usada a definição da Comissão Europeia?

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Outras incoerências internas são evidentes, como a falta de dados para os ventos em Alcochete, mas paradoxalmente, é apontada como a solução mais favorável neste aspeto. Também omite a análise adequada do abate de sobreiros em Alcochete, negligenciando a área afeta à “cidade aeroportuária”. Mas mais grave, a conclusão de que não será necessário qualquer investimento público para a construção do novo aeroporto. A proposta para Santarém é conhecida. Quem paga o aeroporto em Alcochete? E os acessos?

O modelo de decisão adotado também é discutível, carecendo de clareza nas unidades de medida e na ausência de ponderações nos critérios. A CTI defende que todos os critérios têm a mesma importância, o que é académica e conceptualmente questionável e leva à criação de um modelo que não traduz a realidade. As falhas são numerosas e a perspetiva de correção é improvável, resultando numa oportunidade perdida, de uma análise útil para o futuro aeroporto que, acima de tudo, terá de servir Portugal.

Recentemente, a CTI afirmou que os promotores privados apresentam análises de acordo com os seus legítimos interesses, mas que não sendo reconhecidas pela CTI, se tornam especulativas. Serão todos os outros cientistas, que estão em desacordo com a CTI, especuladores? Tendo em conta que todas as deficiências encontradas, são em benefício de Alcochete e em detrimento de Santarém, como se poderá considerar esta análise?

Os interesses dos promotores privados são conhecidos e legítimos. E os interesses da CTI, que realizou uma análise enviesada, quais são?