Ouçam só como o Bloco de Esquerda é corajoso na sua luta contra a União Europeia. Francisco Louçã, com o fervor de um missionário recém-convertido, jura que “o euro não tem salvação”. José Manuel Pureza suspira que, se houvesse um referendo, votaria a favor da saída de Portugal da moeda única. João Teixeira Lopes assegura que “cabe ao Bloco esticar a corda para mostrar o embuste” de uma União Europeia que, atenção, deve ser “desmantelada peça a peça”. Pedro Soares alegra-se com o facto de “o Brexit ter mostrado que não há impossíveis”. Fernando Rosas ensina que a “União Europeia se tornou um pesadelo imperial contra os mais fracos e os mais pobres”. José Gusmão aconselha a que se “prepare o país para uma saída do euro”. Marisa Matias, tonitruante, declara que “o projeto da União Europeia atual está caduco e tem de ser derrotado”, porque é “racista”, “xenófobo” e “predador do Estado social”. E Catarina Martins revela que, se houver sanções da Comissão, o BE imporá um referendo.

Os bloquistas, como se vê, fazem e acontecem; proclamam e ameaçam; avisam e berram; prometem. Mais ainda: acusam, julgam e condenam todos os que se desviam da linha justa. Há dias, Mariana Mortágua tratou o Syriza como se fosse um objeto estranho: “Acho que o próprio Syriza não sabe muito bem o que é”. E, na convenção, os militantes apuparam ruidosamente o anúncio de que os gregos, coitados, tinham decidido aceitar o convite para virem a Lisboa assistir à convenção do “partido-irmão”. Não restem dúvidas: há mais virtude na convenção do Bloco de Esquerda do que num convento de freiras em clausura.

Resta, porém, um problema. Quando negociou o seu apoio ao governo do PS, o Bloco fez as suas escolhas. Não foram escolhas retóricas, foram escolhas reais. Quais eram, afinal, as suas linhas vermelhas? Como se sabe, e como Catarina Martins está sempre a lembrar, a lista era grande, era dura e era ambiciosa — mas não estava lá o “desmantelamento” da União Europeia, nem o fim do “embuste”, do “racismo” e da “xenofobia” de Bruxelas.

Era muito simples promover a derrota da origem de todo o mal. Bastava que o Bloco tivesse dito que só aceitava apoiar o governo do PS se fosse convocado um referendo que permitisse ao povo libertar-se das terríveis grilhetas de Frankfurt. Era muito simples, mas, como se sabe, era também muito complicado. Por isso, na altura de “esticar a corda”, o Bloco recolheu-a, enrolou-a e enfiou-a numa gaveta funda. O Syriza, que Mariana Mortágua vê como um exemplo de vergonha e traição, pelo menos foi à luta e perdeu — o BE nem à luta foi.

Quem acertou no ponto foi Alex Matos Gomes, crítico da direção do partido. Ao discursar na convenção deste fim de semana disse, sobre os atuais líderes do Bloco, que “a questão é saber se terão coragem para romper com o euro e com a União Europeia”. Até agora, pelo menos, não tiveram. Mas gritam muito, e berram muito, e protestam muito, para que, no meio do ruído, ninguém perceba isso.

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