Os bloquistas, segundo as crónicas, tiveram de correr atrás do PCP e de António Costa na fundação da geringonça. Desde então, insistem em ir à frente. Aparecem em todo o lado, opinam sobre tudo, reivindicam todas as ideias, sempre com aquela dicção martelada que Francisco Louçã lhes deixou em herança. Onde Costa e o PCP dizem mata, têm eles de dizer esfola. Viu-se no caso da penalização fiscal da propriedade e da poupança. Os outros falaram de um mínimo de 1 milhão de euros, eles desceram logo aos 500 mil. Os outros quiseram atacar o “luxo”, eles preparam-se logo para castigar a simples “acumulação” de dinheiro. O bloquismo é a doença infantil da geringonça. Agitam-se, logo existem.
Para o Bloco, claro, tudo tem razão de ser. No seu mundo, não fazem sentido indivíduos e famílias com meios para uma vida independente e com opções, como é o ideal da classe média. O Bloco não defende o Estado social, mas a sociedade estatizada. Não concebe os impostos como um contributo para a fazenda pública, mas como uma via para transferir o rendimento e o património dos cidadãos para o Estado. Mas — e o PS? Segundo os bloquistas, o PS de Costa pensa o mesmo, mas tem “vergonha” de o dizer. É assim? Antigamente, o que distinguia o PS do Bloco não era o grau de desfaçatez, mas o facto de o PS ter outros valores, como os da democracia pluralista e da economia social de mercado. As coisas mudaram?
De facto, estamos perante uma relação dramática. Entre o PS e o PCP pressupõe-se que haja fronteiras estáveis. As organizações parecem incompatíveis, e os eleitorados mais ou menos estanques. Mas o Bloco, embora dirigido por partidos que outrora tentaram replicar o PCP, é suposto disputar votos ao PS. Daí a ideia, muito espalhada, de que um acabará por matar o outro: ou o PS de Costa dilui o Bloco nas responsabilidades da governação, ou o Bloco suja o PS no radicalismo “anti-sistema”. O Bloco parece jogar de acordo com essa teoria, ao forçar as fronteiras da governação no sentido de precipitar confrontos constantes com o “capitalismo” e a integração europeia. Não afirma apenas uma identidade, mas testa o PS: se Costa repudia os excessos bloquistas, prova a sua “traição burguesa”; se os tolera, demonstra que o Bloco já dirige ideologicamente o PS.
A guerra no Iraque em 2003 e a crise financeira de 2008 deram por toda a Europa um último fôlego ao tipo de trotskistas, maoístas e radicais que em Portugal montaram o Bloco. Alguns aproveitaram para entrar em força nos partidos da esquerda democrática, e tomá-los de assalto por dentro, como no caso do Partido Trabalhista britânico com Jeremy Corbyn. Outros montaram frentes eleitorais para substituir os sociais-democratas, como o Podemos tenta em Espanha e o Syriza conseguiu na Grécia. Em Portugal, o Bloco experimenta outra abordagem: aproveitando a dependência de Costa do seu apoio parlamentar, cola-se ao PS e impõe-lhe a agenda bloquista.
Mas se para o Bloco tudo faz sentido, que sentido faz tudo isto para António Costa? O PS acusou o PSD e o CDS de se terem rendido ao “radicalismo neo-liberal” da troika. Agora parece prestes a deixar o PSD e o CDS acusarem-no, por sua vez, de estar submetido ao “radicalismo neo-comunista” do BE e do PCP. O PSD e o CDS tentaram preservar a sua reputação “social” protegendo, em geral, salários e pensões baixas. Julga o PS que lhe bastará a meta do défice orçamental para provar a responsabilidade “europeísta” que o separa do extremismo? De facto, muito depende agora do PSD e do CDS: que farão eles com uma classe média que começa a descobrir que a geringonça pode não ser afinal inofensiva para as suas poupanças, patrimónios e aspirações?