O Brexit é uma tragédia? É. Para o Reino Unido, porque abdica da sua influência na União Europeia. Para a União Europeia, porque se vê diminuída de uma das suas maiores economias e de um Estado que foi sempre fundamental para os equilíbrios no continente e para a projecção da Europa no mundo. Todos perderão com um Reino Unido mais insular e uma Europa mais franco-alemã e, portanto, mais paroquial.

O Brexit é ainda uma tragédia porque podia ter sido evitado. É verdade: a relação do Reino Unido com os seus parceiros europeus nunca foi fácil. Mas se o primeiro-ministro David Cameron não tivesse receado tanto o UKIP nas eleições de 2015, não teria talvez havido referendo; e se o referendo não tivesse ocorrido em 2016, na sombra da crise migratória provocada por Angela Merkel no ano anterior, teria tido talvez outro resultado.

Mas uma vez que o referendo aconteceu e o seu resultado foi o que foi, há neste momento uma perspectiva pior para a Europa: é não haver Brexit nenhum. Dir-me-ão: pior, como? Não seria preferível regressar ao que era antes? No Reino Unido e na Europa, há quem espere que um fracasso das negociações e o medo de uma saída sem acordo propiciem um segundo referendo que inverta o resultado do primeiro. Não é impossível. Bruxelas não facilitou a vida a Theresa May, tal como já não tinha facilitado a vida a David Cameron, com medo de estabelecer precedentes para uma Europa “à la carte”. No Reino Unido, as negociações com Bruxelas criaram a ideia de que, em vez de um acordo, o país tinha sido confrontado com um ultimato à medida de um Estado-vassalo.  Theresa May diz que não, e há quem argumente que as negociações deram aos eleitores britânicos precisamente o que desejavam (o “mercado livre sem livre circulação de pessoas“). Mas muitos “Remainers” e “Brexiteers” estão, por várias razões, unidos contra o acordo (o Partido Trabalhista, por exemplo, porque quer eleições antecipadas).

A Europa e o Reino Unido encontram-se a meio da ponte nietzschiana em que é perigoso parar, é perigoso avançar, e é igualmente perigoso voltar para trás. O acordo será uma fonte de tensões e de incertezas. Uma saída sem acordo é um salto no escuro. Mas uma reversão do Brexit não é menos arriscada: confirmaria a ideia de que, na Europa, as populações são obrigadas a votar até acertar no resultado certo, como nos célebres referendos irlandeses de 2001-2002 e 2008-2009. A UE não é, não tem de ser, nem pode ser uma democracia. É uma comunidade de democracias nacionais. A legitimidade democrática da UE assenta nessas democracias. Seria muito pouco saudável para estes regimes, e portanto para a própria UE, se opções fundamentais passassem a ser concebidas como o resultado, não de consensos nacionais, mas de meras imposições diplomáticas. Por cá, o PCP já aproveitou o acordo do Brexit para identificar a liberdade económica como uma simples obrigação externa.

Este seria o contexto ideal para populismos e radicalismos tentarem levantar as nações contra a “Europa de Bruxelas”, como os revolucionários de 1848 as levantaram contra a Europa das dinastias. Na Grécia, Tsipras não foi longe. Mas até onde irá Salvini em Itália? Ou alguém que consiga dirigir os “coletes amarelos” em França?

A UE não se pode deixar caricaturar como “uma prisão de povos”, onde não importa como os cidadãos votam, porque as elites europeístas arranjam sempre maneira de prevalecer. Isso serviria para deslegitimar, não apenas a UE, mas as democracias nacionais e os seus valores. Por isso, e por mais desacertada que uma votação possa parecer, convém que tenha consequências. Em 2015, depois do seu referendo, a Grécia deveria ter saído do euro. Agora, é urgente que o Reino Unido saia da UE — por causa do Reino Unido, da União Europeia e da democracia na Europa.

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