Há uns anos veio ter comigo ao escritório um casal que tinha um conflito com uma empresa de jardinagem. Eram proprietários recentes de uma casa situada no meio de uma nova rua de moradias, todas com jardim. Como as casas eram acabadas de estrear, precisavam de jardins e os novos donos procuravam quem os fizesse e os soubessem manter. Um dia, um vizinho que vivia num dos extremos da rua sugeriu-lhes uma empresa que fizera um trabalho fantástico no seu jardim. A empresa eram pró-activa, fazia boa publicidade e os seus responsáveis diziam que sim aos desejos mais impossíveis dos potenciais clientes. O caso mostrou-se engraçado pois, quando o dito casal entrou no escritório, vinha furioso com a empresa de jardinagem que tinha sido despedida pelo vizinho que os recomendara, ao mesmo tempo que os que habitavam no outro extremo da rua ainda os contratavam entusiasmados. A empresa revelou-se um tremendo fracasso e a notícia percorreu a rua sem a velocidade suficiente para anular os elogios iniciais.

A história ficou-me na memória como um exemplo de alguém que entra com fanfarra e tambores por uma porta para sair em silêncio pela outra, para alívio de todos. Como facilmente se depreende, recordei-me várias vezes dela ao longo dos 8 anos de presidência de Marcelo Rebelo de Sousa.

Quando chegou a Belém, Marcelo era genial. Não dormia, não descansava, lia muito, sabia ainda mais, falava com toda a gente, era simpático, afável, mergulhava bem de cabeça no mar de Cascais. Conhecia este mundo e o outro. Marcelo estava em toda a parte. Era incansável e extraordinário. A fanfarra e os tambores tocavam e acompanhavam-no onde estivesse, fizesse o que fizesse. Dissesse o que dissesse.

Mas isso foi no início da rua, ou melhor, do mandato. Por estes dias, Marcelo não se passeia; arrasta-se penosamente. Modéstia à parte, não me surpreendeu. Cheguei mesmo, neste espaço, a pedir-lhe que ponderasse bem a sua recandidatura a Belém.

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Qual foi o problema de Marcelo? É certo que o excessivo à-vontade não ajudou. Mas não foi só isso. O maior problema de Marcelo Rebelo de Sousa foi que tinha pouco para nos dizer. Desejou ultrapassar a popularidade de Mário Soares, mas Soares tinha uma visão para o país. Bem ou mal, Soares sabia o que queria para Portugal. Quis fazer esquecer Aníbal Cavaco Silva, mas também Cavaco sabia o que queria. Também Cavaco, bem ou mal, tinha (e tem) uma visão para o país. Ambos tinham uma mensagem. E porque tinham o que nos dizer não se afundaram em ninharias, não se reduziram a sorrisos, selfies, abraços, presenças físicas continuadas que desvalorizavam a sua função imaterial.

Marcelo foi um embrulho bonito com pouco lá dentro. Um bom aviso para o que se vislumbra, os novos políticos feitos nas redes, com gestos e expressões estudadas, frases feitas sem qualquer conteúdo. Atenção que não se trata de uma questão de idade. Longe disso, como nos mostra o exemplo de Marcelo. Nem mesmo de pouca experiência profissional, como a lição de Marcelo também nos demonstra. É mais um caso de alheamento da realidade e de quem retira ilações políticas da sua experiência. Marcelo não tinha muito para nos dar que não boa disposição e a maioria satisfez-se com isso. Professor a de Direito conceituado tinha, aparentemente, tudo para ter sido um chefe de Estado de excelência. Não foi porque um bom político tem de reunir um conjunto de características específicas e difíceis de conciliar numa pessoa só: humildade que impeça a soberba; conhecimento do concreto que evite o alheamento; percepção do agora sem perda de visão a longo prazo.

Mas nem sempre o vazio surge onde menos devia. Por vezes, salta à vista. Veja-se o caso de Jordan Bardella, o candidato a primeiro-ministro do Reagrupamento Nacional, o partido de Marine Le Pen. Com 28 anos, Bardella não tem qualquer experiência de vida para almejar um cargo com a envergadura de chefe do governo francês. Aderiu à Frente Nacional com 16 anos, desistiu do curso de Geografia na Sorbonne, namorou uma sobrinha de Marine Le Pen, subiu na hierarquia do partido, explicaram-lhe como ter sucesso nas redes sociais, ensinaram-lhe como falar, como ficar calado, como se vestir, como se pentear, como se mover, como olhar. Como sorrir. Como ser.

Fora isso não há nada. É um vazio completo ao qual parte da França se está a render. Um dos maiores perigos da actualidade é precisamente este: o deslumbramento com o vazio. A política sempre teve o seu lado teatral e cinematográfico. A imagem, os truques de retórica, as polémicas são importantes. Soares e Cavaco foram sublimes nisso. Reagan, Thatcher, Mitterrand e Felipe González também. Mas o pacote tinha conteúdo. Havia algo lá dentro. O deslumbramento com o vazio, com o nada é perigoso porque a decepção, o facto de os eleitores se sentirem estupidamente iludidos e enganados, quando têm tudo à mão para não o serem, pode traduzir-se numa humilhação colectiva e avassaladora de consequências imprevisíveis.