Excelentíssimo Senhor
Presidente da República Portuguesa
Doutor Marcelo Rebelo de Sousa,

Fui dos muitos que há cinco anos votaram em si. Não o fiz por esperar que repusesse no Governo a coligação PSD/CDS. Afinal, o Primeiro-Ministro António Costa fora indigitado pelo seu antecessor, Aníbal Cavaco Silva. Concordei consigo que não faria sentido desfazer o que feito estava. Votei em si, porque temi que os outros candidatos que nessa altura o defrontavam, viessem a ser piores presidentes que V. Exa. Não direi que me enganei, pois não tenho meios para comparar o que fez com o que outros não tiveram oportunidade de fazer. Direi apenas que V. Exa exerceu o mandato de Presidente da República Portuguesa da mesma forma que temi que outros, contra os quais votei, fariam, caso vencessem. Ou seja, votei no candidato Marcelo Rebelo de Sousa para que outros não fossem o Presidente que o senhor acabou por ser. Nesta perspectiva, sim, enganei-me. Engano que, como compreenderá, não tenciono repetir, já que não voltarei a votar em si.

No entanto, e infelizmente, não voto em si só por ter defraudado as minhas expectativas. Não voto em si, também porque a minha geração (nasci na década de 70) se defronta perante graves desafios de difícil resolução. A sua foi confrontada com a descolonização, a implementação da democracia e a adesão à CEE. A minha, com o evitar do descalabro do Estado de Direito, a manutenção das instituições democráticas, a solvibilidade do Estado e um futuro em que os nossos filhos não tenham de sair de Portugal para que alentem a uma vida digna. Dignidade que não é só ter pão em cima da mesa, mas a possibilidade de viverem num país onde possam ter perspectivas de vida que lhes permita terem uma palavra a dizer sobre o futuro de Portugal. Ora, e como o senhor Presidente da República bem sabe (e o senhor tem acesso a mais e melhor informação que qualquer um de nós), esse desejo não é expectável, tendo em conta o comportamento do PS desde 2015, comportamento que contou com o beneplácito do BE e do PCP. A sua geração congratula-se com o que conseguiu. A minha ainda pretende passar à próxima um testemunho válido.

Em Junho deste ano escrevi no Observador sobre a possibilidade de o senhor Presidente não se recandidatar. Não o fiz com o intuito de antever o futuro, mas de analisar os factos concretos e, com base nestes, questionar, tendo em conta o seu primeiro mandato, se não seria preferível decidir não se recandidatar. Desconheço qual seja a sua decisão, mas continuo a acreditar que não repetir a experiência seja a mais acertada. Por duas razões. A primeira, por si. A segunda, pelo país. Comecemos pela primeira.

No mesmo artigo, referi que a situação vantajosa em que o país se encontrava quando tomou posse como Presidente terminara com pandemia. Nos próximos cinco anos, os portugueses não necessitam apenas de abraços e meras palavras de conforto. Precisam de mais. Precisam de trabalho, de investimento e de poupança. No próximo mandato, o futuro Presidente da República não vai ser confrontado com pedidos de selfies, mas com exigências. O senhor Presidente sabe-o, pois já viveu essa experiência, em Agosto, na Feira do Livro do Porto. A senhora que se lhe dirigiu nesse dia, voltará várias vezes até 2026. São pessoas desesperadas que o Estado socialista esqueceu e prejudica. Mas são pessoas que também são cidadãos. Também contam, porque o país é de todos, não de uma facção de privilegiados que têm em comum uma orientação política.

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Nessa altura mencionei ainda que o senhor, pelas suas qualidades e características, não seria a pessoa mais indicada para ajudar o país a ultrapassar os desafios difíceis que se apresentam. Para tal, e porque não se trata de uma mera suposição, mas de uma análise objectiva, referi algumas situações concretas, decorridas no primeiro mandato, em que o senhor Presidente não esteve à altura. Em Pedrógão Grande, logo na noite de 17 de Junho de 2017, quando deu palpites sem que conhecesse a verdadeira dimensão da tragédia. Mais tarde, perante a pandemia, foi inconsequente, fez referência a um milagre e, enquanto tantas crianças ficaram sem ensino, elogiou o Ministro da Educação pelo esforço despendido para que uma final de futebol tivesse lugar em Lisboa. Para cúmulo, fê-lo numa festa no Palácio de Belém, precisamente no dia 17 de Junho, três anos após os incêndios em Pedrógão. Se não esteve à altura nesses momentos, porque motivo é de supor, que estará noutros mais complicados? O exemplos referidos (não vou desenvolver aqui o episódio de Tancos, o processo da substituição da Procuradora-Geral da República, Joana Marques Vidal nem, mais recentemente, o Tribunal de Contas, entre outros) demonstram que o senhor Presidente não tem perfil para presidir perante as dificuldades, embora tenha sido excelente na descompressão, que entendeu necessária depois da aplicação do programa da troika que retirou o Estado da iminente bancarrota.

Mas não é apenas por si; é também pelo país, pelos tais cidadãos desesperados, que a única resposta que ouvirão de si é para votarem noutro Governo, que considero que não vai ser um bom Presidente da República. Darei mais um exemplo concreto para que não estejamos apenas a falar por alto: um dos desafios para os próximos anos é evitar o descalabro do Estado de Direito e o assalto do PS às instituições democráticas. Para o vencermos é preciso que compreendamos que esse ataque do PS não terminou com a queda de José Sócrates. Apenas se suspendeu. Aquilo porque José Sócrates responde na Justiça pouco tem que ver com os objectivos políticos do PS. Por esse motivo, o desafio continua e a única forma de lhe pôr termo é a direita vencer as eleições com maioria absoluta. Absoluta, pois desde a geringonça, que PCP e BE estão à disposição do PS para impedirem um Governo alternativo. Ora, a única maneira de a direita obter maioria absoluta é unida. E para que a direita se una é preciso que o senhor deixe de ser Presidente da República.

Pelos motivos expostos, solicito-lhe que pondere a sua eventual recandidatura. Se teme que a direita caia no colo de André Ventura, não receie. Ventura não apresenta a consistência política necessária e confunde-se com o mundo do futebol. Aliás, e por muito que nos custe admitir, foi o modo como o senhor Presidente exerceu o seu actual mandato que dificultou o ressurgimento da direita que governou antes da geringonça e motivou o surgimento de um partido como o Chega. Ventura é um aliado oportuno da esquerda no enfraquecimento de um projecto de direita válida e reformista. Assim, a sua não recandidatura, senhor Presidente, teria o mérito de permitir o surgimento de um projecto que reunisse essa direita moderada e reformista que governou de 2011 a 2015. Ainda vamos a tempo. Em todo o caso, e se decidir avançar, faça-o tendo em conta que não será como até aqui. Não esqueça que não vai ser amado como foi. Pondere, por si, mas também por Portugal. Precisamos de um país onde se respire e para respirarmos necessitamos que desatem os nós que nos prendem. É o senhor Presidente quem tem a corda nas mãos. Cabe-lhe o primeiro gesto. O país que ama a liberdade fará o resto e ficar-lhe-á agradecido.