Nos últimos 15 anos, a economia mundial tornou-se mais volátil. As crises sucedem-se. ‘Só faltava uma guerra na Europa’, é comum ouvirmos dizer. Primeiro foi a crise financeira internacional. Depois veio a crise do euro. Quando as coisas começavam a melhorar, veio a pandemia Covid-19. E quando estávamos a ultrapassar a crise pandémica eclodiu a guerra na Ucrânia. Será que vivemos o final de uma bela época?

Na semana passada, as previsões de crescimento económico do Fundo Monetário Internacional (FMI) vieram confirmar os riscos de uma nova recessão nas principais economias. À semelhança do que aconteceu nos relatórios anteriores, o FMI reviu em baixa as previsões de crescimento económico e reviu em alta as suas previsões de inflação.

O FMI prevê que este ano o PIB mundial cresça apenas 3,2% (3,6%, na previsão de abril) e 2,9% no próximo ano (também 3,6%, na previsão de abril). A redução das previsões de crescimento da economia mundial resulta do mau desempenho dos Estados Unidos (2,3% este ano e 1% em 2023), da China (3,3% este ano e 4,6 em 2023) e da área do euro (2,6% este ano e 1,2% em 2023). As previsões de desaceleração do crescimento económico são acompanhadas de previsões de taxas de inflação mais elevadas, durante um período mais longo. O risco de estagflação, isto é, taxas de inflação elevadas e fraco crescimento ou recessão, mantém-se.

O FMI avisa ainda que as suas previsões são benévolas dado o panorama de riscos na economia mundial: a possibilidade de interrupção do fornecimento de gás à Europa pela Rússia; a persistência da inflação; a degradação da situação económica e financeira na economia mundial; novos surtos de COVID-19 e confinamentos na China; fragmentação geopolítica.  Para além da incerteza, o aumento das taxas de juro pelos bancos centrais vai também arrefecer o consumo e o investimento.

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O espectro da próxima recessão paira sobre a economia americana, cuja atividade económica já contraiu no segundo trimestre, paira sobre a China e sobre a área do euro.

A instabilidade da última década e meia contrasta com o período de estabilidade entre meados dos anos 80 e a crise financeira internacional. Esse período, conhecido como a Grande Moderação, caracterizou-se por uma grande estabilidade macroeconómica: baixas taxas de inflação e de juro, e longos ciclos de expansão, interrompidos por crises pouco severas e curtas.

Assim, nos anos que antecederam a crise financeira internacional, prevalecia o otimismo em relação ao progresso económico e social. O Ministro das Finanças do Reino Unido, Gordon Brown, com formação em história, referiu-se aos ciclos económicos como sendo algo do passado. Era esse o espírito do tempo.

Em 2005, Thomas Friedman, o célebre colunista do The New York Times, manifestava também a sua fé na globalização como um meio para a criação de riqueza e para o aperfeiçoamento da humanidade. No best-seller O Mundo é Plano, Friedman afirmava que dois países, que sejam parte de uma mesma grande cadeia global de valor, jamais entrarão em guerra. O colunista transmitia dessa forma a crença Iluminista de que o comércio entre as nações era uma forma de fomentar a paz entre os países.

Nas vésperas da Primeira Grande Guerra Mundial, o jornalista inglês Norman Angell tinha manifestado otimismo semelhante no livro A Grande Ilusão. Angell argumentava que o extraordinário desenvolvimento do comércio entre países nas décadas anteriores, tornava irracional, e por isso pouco provável, uma nova guerra na Europa. Esse otimismo era partilhado pelos líderes europeus e alimentou a sua complacência, que conduziu a Europa para a Primeira Grande Guerra Mundial. A Grande Guerra pôs fim a um longo período de prosperidade, que ficou conhecido por belle époque.

A invasão da Ucrânia pela Rússia veio mostrar mais uma vez os perigos do excessivo otimismo em relação à racionalidade e aos efeitos benéficos da interdependência entre as economias. De facto, a forte ligação energética entre a Rússia e Europa não a impediu de iniciar uma guerra e de invadir a Ucrânia. O otimismo da Europa, em particular da Alemanha, em relação aos benefícios da interdependência económica pôs em risco a segurança de toda a Europa.

No curto prazo, colocam-se grandes desafios à União Europeia. Redefinir a estratégia de abastecimento enérgico e de defesa da UE vai ter custos muito elevados, durante muitos anos.

É inevitável que a sucessão de crises nos últimos anos gere o sentimento de estamos a viver o final de uma bela época. No entanto, é importante lembrar que à barbárie da Primeira e da Segunda Guerra Mundiais sucedeu um longo período de progresso e paz, que os franceses designaram de Les Trente Glorieuses. Como naquela altura, o curso da União Europeia será decisivo para o progresso da Europa nas próximas décadas.