Como todos os PMs europeus, António Costa enfrenta desafios externos, desde os conflitos comerciais globais até às ameaças geopolíticas nas fronteiras da Europa. Internamente, as questões financeiras, económicas e sociais do costume também o apoquentam. A gestão das relações com os parceiros da geringonça tem as suas maçadas, mas nada de mais. O PSD tornou-se um partido inofensivo, senão mesmo amigo. A líder do CDS irrita-o, sobretudo nos debates parlamentares, mas o partido ainda não atingiu a dimensão devida para se transformar num problema politico. Certamente que estes incómodos não tiram horas de sono ao PM.
Há, no entanto, um problema que seguramente o perturba durante as horas de descanso: as notícias e as investigações sobre casos de corrupção no governo de Sócrates. É o maior problema para o PM. Costa tem seguido duas linhas para lidar com o problema Sócrates. Em primeiro lugar, não permite que uma investigação judicial se transforme numa questão política. Tem sido eficaz e tem contado com uma certa indiferença da população portuguesa. Em muitos países europeus, um partido político com uma herança tão recente como a de Sócrates não teria resistido. Curiosamente, a pessoa que mais tem lutado contra a estratégia de Costa e tem tentado transformar a investigação num caso político é o próprio Sócrates.
Em segundo lugar, rejeitando qualquer dimensão política, o PS e Costa tratam a investigação judicial e as acusações contra Sócrates como uma questão individual e não como um problema do partido. Esta estratégia enfrenta, contudo, uma dificuldade óbvia. Se as acusações forem confirmadas em tribunal, Sócrates será acusado por actos que cometeu enquanto PM de um governo socialista. É óbvio que Costa conta com a lentidão dos processos judiciais. O momento em que o PS poderá finalmente ser forçado a enfrentar o facto de um PM socialista ser acusado por violar a lei acontecerá provavelmente sob outra liderança.
As recentes notícias sobre Manuel Pinho colocam em causa a estratégia de Costa para lidar com o problema Sócrates. Independentemente do processo judicial, parece confirmado que, como ministro da Economia, Pinho recebeu dinheiro do Grupo Espírito Santo, depositado em contas off shore. Este caso, gravíssimo, transforma o ‘problema Sócrates’ num ‘problema do governo de Sócrates’. Os portugueses têm ainda mais razões para se interrogarem sobre o modo como o governo de Sócrates se relacionava com o sector financeiro e com as grandes empresas com participações do Estado, sobre o poder quase ilimitado de um governo com maioria absoluta, sobre os processo de tomada de decisão da administração pública, ou sobre o modelo económico assente na intervenção do Estado, defendido pelas esquerdas.
A transformação do ‘problema Sócrates’ no ‘problema do governo Sócrates’ será, na minha opinião, o maior obstáculo a uma maioria absoluta do PS em 2019. As imagens de Sócrates, fora de si e completamente colérico, as notícias de enriquecimento ilícito de um antigo PM e de um antigo ministro socialista, através de contas off shore, não dão qualquer confiança numa nova maioria absoluta do PS. E Sócrates continuará a tudo fazer para atrapalhar a vida de Costa e tornar mais difícil a conquista de uma maioria absoluta. A maioria absoluta de 2005 é neste momento o último activo político de Sócrates e o que o distingue de todos os outros líderes socialistas. É aqui que Sócrates se torna num problema circular para o PS e para António Costa. Para acabar de vez com o mito Sócrates, Costa necessitava de ganhar uma maioria absoluta. Mas não a ganhará por causa do ‘problema do governo Sócrates’. A não ser que a maioria dos portugueses mostre uma enorme condescendência. Mas isso é, para Costa, uma esperança. Não é uma estratégia política.