O concelho de Monchique ardeu durante sete dias. Terá sido, este ano, o maior incêndio na Europa. As televisões filmaram as chamas, os jornais discutiram as falhas na prevenção e no combate, e os banhistas das praias do Algarve encheram as redes sociais com um céu a que o fumo e a cinza deram um ar invernoso. Houve 41 feridos, casas destruídas, pessoas evacuadas – algumas à força, no meio de desorientação, caos, e pânico. Nada disso, porém, impediu o primeiro-ministro de, entre todas as palavras do dicionário, escolher “sucesso” quando teve de falar de Monchique.
Desta vez, até a imprensa geralmente encantada com a “habilidade” de Costa se irritou. Mas a boa disposição de António Costa tem toda a razão de ser. E não, não é apenas por andar à vontade, sem os incómodos do jornalismo do BE, das manifestações do PCP ou das críticas do PSD. O “sucesso” de António Costa é feito de outra coisa: do facto de os maiores fracassos do passado se terem tornado o padrão em relação ao qual são julgados os seus fracassos actuais. Em 2017, morreram mais de cem pessoas em incêndios florestais. O primeiro-ministro terá percebido logo que a tragédia que quase o condenara em 2017 iria ser a sua absolvição em 2018: bastava que em Monchique não morresse ninguém, para o governo poder tratar o caso como uma “vitória” – independentemente do resto.
Um dia, este há-de ser o resumo da história de Costa e dos seus companheiros. Em 2011, com José Sócrates, confrontaram o país com uma bancarrota e as condições duras do socorro internacional. Por isso, em 2016, não precisaram mais do que evitar outra bancarrota para serem imediatamente promovidos a génios financeiros: tão pouco se esperava deles, que, depois de confirmado que o FMI desta vez não vinha mesmo, já ninguém reparou nas cativações, no estrangulamento dos serviços públicos, ou no crescimento medíocre da economia, apesar da conjuntura mais favorável das últimas décadas. Como Costa explicou em relação a Monchique: “O que não podia acontecer era que as pessoas morressem”. Sem dúvida. Mas quer isso dizer que, a partir de agora, tudo o mais pode acontecer?
A mitológica “habilidade” de Costa é o resultado de uma baixa de expectativas sem paralelo na história recente de Portugal. Os portugueses viveram desde a década de 1960, durante quarenta anos, à espera da convergência com a Europa do norte: um dia, teríamos as suas oportunidades, os seus direitos, os seus critérios de qualidade, os seus serviços públicos. Durante muito tempo, crises e revoluções não abalaram essa expectativa: por maiores que fossem as dificuldades, pareciam apenas pequenos patamares de transtorno numa ascensão irresistível. O actual governo marcou o fim dessa vasta onda de aspiração social. As suas reposições e aumentos são um sinal de como uma sociedade envelhecida e endividada deixou de querer e de exigir, enquanto o país caminha para voltar a ser um dos mais pobres da União Europeia. Neste mês, o governo escreveu a milhão e meio de pensionistas a dar-lhes a boa nova de acréscimos de pensões no valor de 1,16 euros mensais — e a maior parte da imprensa deu, por isso, a próxima eleição como ganha. Há trinta anos, só aumentos de 16% pareciam estimular o eleitorado. Mas esta é agora a medida daquilo que a oligarquia acha suficiente para se manter no poder: mais um euro por mês.
Para valorizar a mediocridade dos seus aumentos, Costa contará certamente com mais um contraste: “os outros cortaram, ao menos este, embora pouco, sempre vai dando alguma coisinha”. É um facto – e é a tragédia desta história. Passos Coelho teve de cortar salários e pensões para salvar o país. António Costa cortou esperanças e expectativas para se salvar a si próprio.