1. A relação que António Costa e o ministro Pedro Marques têm com o investimento público faz lembrar as ‘verdades’ do ironicamente intitulado ministro da Informação do Iraque durante a segunda Guerra do Golfo em 2003. Se Muhammad Saeed al-Sahhaf, conhecido por Bagdad Bob, proclamava a superioridade militar do Exército iraquiano perante as forças norte-americanas, Pedro Marques promete desde 2016 muitas obras fantasmas que só existem no papel. Se al-Sahhaf glorificava vitórias que não existiam e jurava de forma cómica que não havia um único “infiel” em Bagdad quando as tropas americanas estavam a poucas centenas de metros do edifício onde se encontrava, o Governo de António Costa não pára de apresentar planos de obras públicas sem que tenha concretizado planos anteriores — ou apresenta obras que sabe muito bem que podem não existir.
Nada de anormal se tivermos em conta que o Governo do PS, apoiado pelo PCP e pelo BE, prometem tudo e o seu contrário:
- Contas certas com défices históricos conseguidos à base de orçamentos com cativações históricas;
- Logo, níveis historicamente baixos de investimento público que promovem o falhanço total dos planos de obras apresentados.
Não há milagres mas não se pode dizer que Pedro Marques não tenha tentado alcançá-los — pelo menos, em sonhos. Se não, vejamos:
- Apresentou um bombástico Plano de Investimentos em Infraestruturas Ferrovia 2020 com um investimento global de 2,7 mil milhões de euros. Passados dois anos, tal plano só tinha 15% de obras concretizadas. Segundo uma notícia do Público, deviam ter começado até 2018 obras em 528 quilómetros de linhas mas, imagine-se, só 79 quilómetros estava em execução. A 6 de fevereiro de 2019, acossado pela oposição que o acusa, e bem, de prometer obras de papel, Pedro Marques bateu com a mão no peito e jurou: “Temos 315 km de obra do Ferrovia 2020 em execução” — menos 213 quilómetros do que deveria ter atingido… um ano antes.
- No início deste ano, o Governo de António Costa fez mais um número de fantasia — cada vez mais, uma marca deste Executivo. Com 80% do Plano Estratégico de Transportes e Infraestruturas (PETI 3+) por cumprir (e quando devia terminar em 2020), mais uma chuva de promessas: mais de 20 mil milhões de euros para concretizar o PNI — Plano Nacional de Investimentos até 2030. Pormenor: há um conjunto significativo de projetos que fazem parte do PNI que transitaram do PETI 3 + e do Plano Ferrovia 2020, como o Público assinalou. Logo, não é um plano com obra nova mas sim um mero plano que, em muitos casos, serve para alargar prazos de conclusão de projetos muito atrasados
2. Depois temos o caso do Novo Aeroporto de Lisboa no Montijo — onde uma vez mais o ministro Pedro Marques foi o grande protagonista num projeto que não passa, para já, de mais uma obra de papel. E de papel porquê? Porque a nova aerogare para o Montijo está totalmente dependente de uma Declaração de Impacte Ambiental (DIA) positiva. Como o jornalista António Costa já escreveu no Eco, a não ser que o primeiro-ministro já saiba previamente o resultado — o que seria uma violação grave do princípio da imparcialidade e da independência com que esses processos têm de ser conduzidos pela administração pública –, o Governo não pode garantir que vai ser construído um novo aeroporto no Montijo, pela simples razão que essa infraestrutura ainda não foi aprovada pelos serviços públicos, como o próprio Costa e o edil do Montijo já admitiram.
O PS, refira-se, não é virgem neste tipo de avanço temerário sem que estejam reunidas todas as condições legais. No Governo Guterres, o então ministro João Cravinho adjudicou e assinou os contratos de sete concessões rodoviárias Sem Custos para o Utilizador (SCUT) sem as respetivas DIA aprovadas. O que aconteceu? Quase todas as concessões tiveram alterações significativas do traçado impostas por razões ambientais, com o Estado a ter de pagar indemnizações milionárias aos concessionários por violação das condições contratuais. Veremos se o cenário não se repetirá no Montijo.
Seja como for, o anúncio do Novo Aeroporto do Montijo não passa de mais uma fantasia porque, neste momento, ele não está, nem pode estar, legalmente assegurado. O que está assegurado são as obras de expansão no Aeroporto Humberto Delgado — que têm, aliás, o grosso do investimento previsto: dos 1.326 milhões previstos para uma primeira fase, cerca de 650 milhões estão alocados ao Humberto Delgado, enquanto que 520 serão para o Montijo.
3. Falando especificamente da ferrovia. Entre diretores demitidos porque tiveram a ousadia de se opor a adiamentos da manutenção dos comboios em nome da segurança dos passageiros e dos maquinistas, o descalabro da qualidade mínima do serviço da CP durante o verão de 2018 por falta de investimento, motores das automotoras que caem durante as viagens, não causando descarrilamentos por pura sorte, ou a avaria permanente do ar condicionado no melhor produto da CP (o Alfa Pendular) no pico do Verão — exemplos não faltam sobre a incúria do Governo de António Costa no que à ferrovia diz respeito.
O problema deste Governo é que não tem coragem política para assumir que esta falta de investimento — como toda a degradação global dos restantes serviços públicos, como na Saúde ou na Educação — deve-se à política orçamental de António Costa e Mário Centeno. Obviamente que isso dava cabo da narrativa da viragem da página da austeridade, daí a opção do Executivo por tentar enganar — não há outra palavra — a Opinião Pública.
Mas a realidade é uma coisa lixada e aparece sempre que António Costa não quer. Olhemos para estes dados divulgados domingo pelo Público:
- O investimento público fechou em 2018 a valer 2% do PIB, quando o Orçamento de Estado previa 2,8% do PIB. Ou seja, o Governo decidiu não investir cerca de 1.600 milhões de euros;
- Em relação ao que estava previsto, a taxa de execução orçamental foi apenas de 78,6% — o segundo valor mais baixo dos últimos 10 anos;
- Nada de novo para o Governo de António Costa, pois teve uma taxa de execução de 74,7% em 2016 e 85,3% em 2017 (dados em contabilidade nacional);
- Em termos médios, a taxa de execução da atual legislatura é de 80,7% contra 87,8% do primeiro Governo de Passos Coelho.
Resumindo: o Governo de Passos Coelho investiu mais em período de resgate do que António Costa depois de ‘virar a página de austeridade’.
E a pergunta que se coloca para o futuro é simples: se o Governo travou a fundo o investimento público em período de crescimento, como poderá assegurar o financiamento das obras que anda a propagandear numa fase em que a economia vai desacelerar já este ano de 2019? Não é uma pergunta que interesse muito a António Costa responder porque o seu único foco é ganhar as legislativas e as europeias.
4. Mas outra pergunta deve ser colocada: qual a consequência de todos estes resultados desastrosos para o ministro Pedro Marques — a cara do descalabro do serviço ferroviário e dos sucessivos planos de obras não cumpridos? Vai ser promovido por António Costa a cabeça-de-lista do PS às Europeias.
Na realidade, a escolha de Pedro Marques demonstra como a incúria e a ausência de planeamento é premiada por António Costa. Um verdadeiro espelho de um Governo que não investe nem reforma e que apenas se quer manter no poder a todo e a qualquer custo.
Infelizmente, Muhammad Saeed al-Sahhaf não teve tanta sorte como Pedro Marques mas não se pode queixar do destino: apesar de toda a notoriedade conseguida em 2003, as autoridades norte-americanas não o colocaram na lista dos mais procurados por ser uma figura irrelevante.
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