1. Com a exceção do comentador Daniel Oliveira, muitos têm andado distraídos com a importância que as eleições europeias podem vir a ter para António Costa a médio prazo. Por razões nacionais mas, acima de tudo, pela carreira política internacional que, cada vez mais, Costa deseja vir a ter.

Comecemos pelas razões que nos são mais próximas. António Costa pediu uma “moção de confiança” ao eleitorado e é provável que a tenha. Apesar de Ricardo Araújo Pereira e a sua equipa do “Gente Que Não Sabes Estar” serem os únicos portugueses felizes por Pedro Marques ser o cabeça-de-lista do PS, tal é a quantidade avassaladora de material humorístico que Marques gera por semana, é bem possível que Costa seja o quarto chefe de governo a conseguir ganhar umas europeias desde 1987.

O que não deixa de ser absolutamente extraordinário. Se não, vejamos:

  • O PS estava em queda desde o final de março com algumas trapalhadas e o caso familygate. Foi Rangel o primeiro a explorar os óbvios danos do caso familygate na imagem do Governo, o que fez com que Rio fosse a reboque.
  • Aliás, Paulo Rangel, muito mais acutilante que Rio, trouxe um novo dinamismo ao PSD e o partido entre março e abro
  • A principal consequência foi a sondagem de 18 de abril da Aximage a dar um empate técnico e o mesmo número de eurodeputados para os dois partidos: oito cada um.

A crise dos professores acabou por ser a hipótese perfeita para António Costa se vitimizar — com razão — e para promover uma imagem de político moderado e respeitador das contas certas — e inverter totalmente a mesa do jogo. Quase todas as sondagens indicam precisamente isso: António Costa teve razão ao ‘dar um murro na mesa’.

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Uma vitórias nas europeias e a manutenção ou subida dos atuais oito eurodeputados, consolidará o poder de António Costa e deixá-lo-á em excelente posição para atacar a maioria absoluta em outubro.

Pelo contrário, Rui Rio está cada vez pior — com a sua asneira da crise dos professores a estancar a dinâmica de subida do PSD nas europeias.

2. O mapa político da Europa vai sofrer grandes alterações com estas eleições. Não só devido à subida expectável da extrema-direita e de forças populistas mas também porque o histórico Partido Socialista Europeu, ao qual o PS pertence, arrisca-se a perder uma quantidade significativa dos seus parlamentares por via da redução a cinzas, entre outros partidos, do Partido Socialista Francês.

Se o PS mantiver o mesmo eurodeputados (oito) ou aumentar um (para nove), as ambições europeias de António Costa ‘ganharão asas’.

Foi neste contexto que António Costa aceitou produzir um vídeo para apoiar Emanuel Macron e o partido num encontro especificamente convocado para Estrasburgo para anunciar a criação de um novo grupo parlamentar europeu que incluirá o grosso dos partidos que constituem a Aliança dos Liberais e Democratas pela Europa — o terceiro grupo parlamentar do Parlamento Europeu. Será uma nova força que se situará ao centro político e que poderá reunir liberais, centristas, ecologistas e socialistas.

Com a exceção do En Marche, o PS de Costa é o único partido no Governo que aceitou participar na conferência de Macron.

Outro pormenor relevante, Matteo Renzi, ex-primeiro-ministro italiano próximo de Costa, aceitou fazer o mesmo tipo de intervenção que o chefe de governo português. O partido de Renzi (o Partido Democrático), como o PS, faz parte do PSE e tem atualmente 31 eurodeputados.

A partir daqui, todas as especulações são possíveis:

  • Se optar por aderir a este novo grupo parlamentar centrista, o PS poderá ter uma maior relevância do que no PSE devido ao número de eurodeputados que deverá conseguir eleger.
  • Mas se optar por continuar no PSE, Costa poderá ser, juntamente com o espanhol Pedro Sanchez, um dos primeiros-ministros mais influentes naquele partido europeu e poderá promover aproximações entre socialistas e o movimento do Macron.

Seja como for, uma coisa é certa: António Costa tem mesmo ambições políticas a nível da União Europeia. A ironia é que quer aliar-se a Emmanuel Macron, um dos maiores reformistas da Europa e com obra já realizada em França — ao contrário de Costa tudo tem feito para não reformar coisa alguma em Portugal. Mas só Macron lhe poderá assegurar um lugar de destaque na União Europeia. Esta segunda-feira vão encontrar-se novamente.

3 – E Costa tem razões para ter essas ambições políticas. Porquê? Porque o pós-legislativas de Outubro não vai ser fácil em Portugal — mesmo com uma vitória nas europeias.

A quatro meses dessas eleições, a obtenção de uma maioria absoluta é um objetivo díficil. Um objetivo quase obrigatório para o PS poder governar com o seu programa sem estar sujeito aos caprichos do BE e do PCP mas praticamente impossível de ser alcançado.

Se a repetição da Geringonça é muito desejada por uma boa parte dos comentadores de esquerda, também é certo que o contexto político atual não é o mesmo de 2015 que permitiu apear a direita do poder. A crise dos professores deixou as suas marcas e será díficil construir uma nova aliança sustentável que permita ao Bloco de Esquerda ir para o Governo enquanto que o PCP continua no Parlamento.

E aqui vêm-me à memória os tempos em que António Guterres preferiu ir-se embora para não cair no pântano. Ou de Durão Barroso que, perante a perspetiva de vir a perder umas eleições em 2005, preferiu demitir-se um ano antes.

Geralmente é para isso que servem os lugares europeus para os políticos portugueses: para fugirem.