1 Na semana em que o país bateu novamente o recorde da carga fiscal anual (35,8% do PIB), o Governo de António Costa anuncia que está a ponderar a criação de mais um imposto extraordinário. E, atenção, o imposto não é só extraordinário pela sua suposta transitoriedade, e por se dever à atual conjuntura económica, mas também por ser profundamente original: pretende taxar os “lucros excessivos” das empresas do setor energético.

Vamos começar pelo óbvio. Não está em questão que a Comissão Europeia e da OCDE já recomendaram tal imposto para que os lucros das empresas de combustíveis, gás e eletricidade com o brutal aumento dos preço sejam redirecionados para os consumidores.

A questão é que a saturação fiscal em Portugal em termos de paridade do poder de compra é de tal ordem, o seu peso brutal na competitividade das empresas e no poder de compra dos cidadãos é tão castrador e, que só há razões para desconfiar. A saber:

  • Como a Comissão Europeia e a OCDE enfatizam, e bem, o imposto só fará sentido se for efetiva e totalmente transitório. Ora, a tendência dos sucessivos governos é transformar impostos extraordinários em impostos estruturais. Basta ver que a “contribuição extraordinária do setor energético” que foi criada em 2014 ainda hoje é cobrada e a proposta do Governo para o Orçamento de Estado para 2022 incluía uma receita de 125 milhões de euros. E há muitos outros exemplos.
  • Portanto, a credibilidade do Estado português é praticamente inexistente. Não só para eliminar impostos extraordinários, como também em reverter para os consumidores seja o que for. Basta ver o peso fiscal na fatura da luz: metade do preço final são impostos e taxas, o que faz com que tenhamos a 8.ª eletricidade mais cara da União Europeia.
  • Resumindo e concluindo: quando ouvimos falar em novos impostos, já sabemos quem vai pagar: precisamente os contribuintes. Porque o Governo pode taxar as empresas do setor energéticos mas estas nunca deixarão de repercutir nos consumidores, de uma forma ou de outra, tais novos impostos.

2 Não é por acaso que são os governos socialistas os detentores de mais recordes de aumento da carga fiscal face ao PIB: entre os cinco maiores valores, António Costa detém os recordes de 34,5% em 2019, 34,7% em 2018, 35,3% em 2020 e agora 35,8% em 2021. Só o Governo de Guterres em 2001 (30,7% do PIB), o de Sócrates em 2011 (32,2% do PIB) e o de Passos Coelho em 2015 (34,4% do PIB) é que suplantaram Costa. Portanto, o único governo do centro-direita que aparece é o que teve de gerir a bancarrota de Sócrates.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

E isso não é por acaso porque os socialistas continuam a insistir no erro de não baixar os impostos porque precisam da receita fiscal para satisfazerem as suas clientelas eleitorais. E é precisamente António Costa que faz dessa estratégia o ponto cardinal das suas políticas públicas.

Diziam alguns analistas que o PS de Costa iria apostar numa política amigável para as empresas depois de se ver livre do PCP e do Bloco de Esquerda. Continuo muito pessimista sobre isso. Porque o PS de Costa tem um lado esquerdista acentuado e, apesar de nada ter a ver com cultura autoritária e anti-democrática do PCP e do Bloco, tem uma visão estatizante da economia.

E, em certa medida, partilha de algum ódio ao lucro. Não no sentido marxista que o PCP e o BE têm, mas sim num sentido quase pequeno burguês que o PS — e também uma parte do PSD e do CDS sempre tiveram.

Trinta e seis anos depois de termos entrado para a Comunidade Económica Europeia, de termos levado a cabo reformas profundas que liberalizam a economia portuguesa e a transformaram numa verdadeira economia capitalista aberta e avançada, com o consequente e gigantesco progresso económico e social dos cidadãos e empresas portuguesas — ainda hoje, o lucro é visto como algo pecaminoso.

Sempre que há um novo negócio gerado pelas oportunidades do mercado e pelo empreendedorismo dos portugueses, a primeira coisa que o Estado faz é taxar. Se o negócio for altamente rentável, é taxar como se não houvesse amanhã. E se alguém estiver realmente a enriquecer, é regulamentar o negócio até o mesmo ser inviável.

Este ódio ao lucro é uma espécie de herança que o salazarismo deixou ao regime democrático — é uma clara extensão da inveja e quase que faz da mesma uma política de Estado.

Basta recordar que o regime democrático, nomeadamente por pressão das forças da extrema-esquerda (bem sei, caro leitor, que é um paradoxo falar em democracia e extrema-esquerda na mesma frase) e cobardia do PS e do PSD, receberam de braços abertos a política de congelamento das rendas do mercado de aluguer criada pelo salazarismo. Precisamente a mesma política que tinha os proprietários como a encarnação do diabo e que transformou os centros urbanos de Lisboa e do Porto num autêntico lixo de prédios devolutos e podres. Só a liberalização desse mercado no Governo Passos Coelho permitiu a reconstrução dessas áreas.

3Resta outra questão mais filosófica.  Se o lucro é a base do capitalismo — e a consequência da liberdade económica de uma empresa, logo dos seus proprietários — então como definiremos o que é um “lucro excessivo”? Bem sei que que vivemos uma conjuntura particular e que o setor energético é altamente regulado e, por isso mesmo, específico. E de certeza que os burocratas de Bruxelas encontrarão uma fórmula matemática perfeita para definir que, a partir de determinado nível dos preços do petróleo e do gás, os lucros só poderão ser x e y. E os burocratas nacionais copiarão a mesma.

Insisto, contudo: taxar um alegado lucro excessivo vai conta a natureza do capitalismo. Se uma empresa só pode ganhar 10 em vez de 20, também vamos limitar a produtividade dos trabalhadores?

Então se calhar é melhor limitar também o número de horas de trabalho. E, já agora, o nível de investimento dos acionistas. E porque não recuperar as velhas teorias (super-vencedoras, como sabemos) da “propriedade social” dos meios de produção para produzirmos apenas o que consumimos? Assim, é que era! Simplesmente não haveria “lucros excessivos” porque a noção de lucro desapareceria — qual maldita palavra e conceito!

4 Acresce a tudo isto — e desculpe, caro leitor, por ter esta a má vontade de defender o único sistema económico que gerou progresso e riqueza para o mundo — que não se percebe a pressa do Governo de António Costa em criar um novo imposto, quando tal contrasta com a lentidão de tartaruga em baixar o Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP).

Antes de António Costa e Silva anunciar a hipótese de um imposto extraordinário, o primeiro-ministro António Costa fez de polícia bom ao anunciar medidas para atenuar a subida da inflação, nomeadamente a redução do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos enquanto espera pela autorização da Comissão Europeia pela descida do IVA para 13%.

Não se percebe porque demorou tanto tempo. Aliás, e se puxasse pela sua memória política, António Costa lembrar-se-ia de que o último Governo Guterres (do qual fez parte como ministro da Justiça) assinou um protocolo com a APETRO — Associação Portuguesa de Empresas Petrolíferas que criou um mecanismo que fazia descer o ISP na exata medida da subida do preço do petróleo. Ou seja, o Estado perdia receita fiscal mas os preços mantinham-se na mesma.

A ideia saiu da cabeça do então super-ministro Pina Moura, então ministro das Finanças e da Economia de António Guterres, e mesmo contra a vontade de alguns dirigentes do PS (como José Penedos), foi avante e executado num altura em que o petróleo tinha subido mas não na mesma escala de hoje.

Eis um bom exemplo de como os governos de António Costa são preguiçosos do ponto de vista político — ‘ajudados’, sem sombra de dúvidas, por uma oposição inexistente, salvo honrosas exceções. Preferem ter a receita fiscal garantida, do que puxar pela cabeça e pensarem em soluções que protejam os consumidores e as empresas.

Dizia António Costa e Silva em 2018 (já na fase António Costa, portanto) que “a economia nos últimos anos recuperou mas pouco porque vivemos num país que hostiliza as empresas”. O novo ministro da Economia não começou bem essa defesa. E escolheu mesmo o governo errado para o fazer. É certo que os “setores mais extremistas” do Parlamento já não apoiam o Executivo mas o amor aos impostos e o ódio ao lucro ainda lá moram.

PS – A direção de Rui Rio continua o seu caminho de destruição do PSD. Se não houvesse eleições internas para breve (que, espera-se, promoverão um bom debate de ideias), podia falar-se mesmo em suicídio político. A intervenção da deputada Mónica Quintela, ao desejar que os funcionários públicos deveriam ter ficado em 2011/2012 “um mês, dois meses sem receber salário” para o PS e os próprios empregados do Estado aprenderem as consequências da irresponsabilidade socialista, é de uma falta de inteligência política atroz. Está ao nível daquela declaração de Isabel Meireles na noite da derrota de Rui Rio nas legislativas de 30 de janeiro: “quem falhou foi o povo”. Também pela escolha das pessoas que o rodeiam se vê a ineptidão política de Rui Rio — um homem que fica para a história do PSD como um dos piores líderes da história do partido e que só não o destrói completamente porque não o deixam.