Os problemas na Saúde não são de hoje nem se limitam a Portugal. O “Health at a Glance: Europe 2024”, publicado esta semana pela OCDE, mostra bem que não estamos sozinhos nos principais problemas. E embora os desafios possam ser maiores e as estatísticas não sejam as melhores em Portugal, o retrato do sector da saúde não é assim tão diferente quando nos comparamos com os outros países europeus.

Nos salários, a situação não é homogénea. Os médicos comparam bem com os restantes países europeus – um médico de clínica geral ganha em média 2,1 vezes o salário médio nacional o que está, por exemplo, mais ou menos alinhado com países como a Finlândia. Em contrapartida os enfermeiros ganham em linha com o salário médio nacional, o que se afasta da média da União Europeia (20% acima) mas que, mesmo assim, nos coloca alinhados com a Finlândia, França, Portugal, Suécia e Itália. Também no investimento em saúde, os dados não se revelam negativos. Fomos, em 2022, o segundo país que mais investiu no sector da saúde, o equivalente a 1,2% do PIB, só ultrapassados pela Alemanha (1,3%).

Onde estamos piores é nos cuidados primários e nas assimetrias regionais na distribuição de profissionais de saúde, especialmente médicos, recomendando-se políticas que incentivem a deslocação para fora dos centros urbanos. E também não conseguimos responder com rigor à pergunta: temos muitos ou poucos médicos? Porque as estatísticas que fornecemos correspondem a pessoas com licença para exercer medicina que podem estar reformados ou até terem emigrado.

A emigração de profissionais de saúde parece, contudo, ser um problema maior no caso dos enfermeiros – com um peso expressivo de portugueses na Irlanda e na Suíça. O que não é de estranhar face à real desvantagem que os salários dos enfermeiros têm em Portugal.

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Todos os países aumentaram os seus recursos humanos em saúde, mas a elevada procura por causa, fundamentalmente, do envelhecimento da população faz com que a Europa tenha escassez de profissionais, estimados em 1,2 milhões entre médicos e enfermeiros. O resultado é que os países têm compensado este défice com a contratação no exterior, exercendo assim uma pressão adicional sobre os países mais pobres que dentro da Europa significa também Portugal.

Esta pressão da emigração, visível especialmente nos enfermeiros, associada a um envelhecimento previsto para Portugal mais rápido do que nos outros países – mais de 30% da população terá mais de 65 anos em 2050, com Portugal a ser ultrapassado apenas pela Grécia – cria especiais desafios para a prestação de cuidados de saúde em Portugal.

Finalmente, neste breve retrato, a OCDE revela que Portugal integra o grupo de países onde a população menos confia na capacidade das instituições públicas gerirem a crise no sector – apenas 33% confia, o valor mais baixo a seguir à Grécia (30%). E este indicador de confiança em nada ganhou com a recente crise do INEM.

A questão que se coloca é: se o retrato do sistema de saúde em Portugal não é assim tão diferente do que se passa no resto dos países da Europa, porque vivemos em dramas diários na saúde? A OCDE pode estar a dar um retrato mais positivo do que ele realmente é? Pode, nomeadamente no investimento, cujos indicadores podem estar a beneficiar com o boom do sector privado. Em matéria salarial, parece que apenas os enfermeiros podem ter capital de queixa.

Olhando para o País e para a sua recente história, os indicadores mostram que houve um défice de investimento público no SNS, que o degradou. Houve muita preocupação em criar leis, menos ou nenhuma preocupação em organizar o SNS e dar condições de trabalho e remuneração a quem lá trabalha, assistindo-se passivamente à saída de profissionais para o sector privado e para o estrangeiro. Além disso, não se profissionalizou a gestão que continuou marcada pelos jobs for the boys, uma realidade que assumiu especial relevância com o Governo de António Costa.

A cumplicidade que os sindicatos próximos do PCP mantiveram com o Governo do PS permitiu disfarçar as dificuldades, que explodiram assim que este Governo entrou em funções. Todos pareciam viver felizes com a falta de aumentos salariais, incluindo os profissionais do INEM, tendo acordado para as reivindicações quando o Governo mudou.

Nenhum Governo conseguirá vencer os desafios que temos pela frente, no sector da saúde, sem a coragem de encerrar serviços e sem a iniciativa de pagar melhor aos profissionais e de lhes dar melhores condições de trabalho. Independentemente dos erros de comunicação ou de distração que possam ter sido cometidos pela equipa da Saúde, parte do que se está a passar vai buscar a sua explicação à partidarização das instituições.

Devíamos, de uma vez por todas, assumir que a administração pública de topo está partidarizada e optar pelo modelo das demissões assim que um novo Governo toma posse. Sempre evitávamos as cenas a que temos assistido, por parte de alguns dirigentes, sem a noção de que, por muito competentes que sejam, foram escolhidos por confiança política.

O Governo de Luís Montenegro cometeu obviamente o erro de ter subavaliado o estado em que estava e está a administração pública, um estado escondido pelas cumplicidades políticas que António Costa conseguiu construir. Dificilmente alguém conseguia acreditar numa nova versão de “a culpa é do Passos” substituída agora por “a culpa é do Costa”. Mas Luís Montenegro teria prestado um serviço aos cidadãos se nos tivesse mostrado, com dados comprovados, o estado em que estava a Saúde, a Educação, a Segurança, os serviços públicos em geral.

O único caso em que se ensaiou a queixa da herança foi nas Finanças, mas com Joaquim Miranda Sarmento a sair-se muito mal, já que nunca conseguiu provar onde estavam esses tais problemas nas contas públicas, de tal maneira que essa história o vai perseguir, como já está, quando começar a apresentar resultados.

Luís Montenegro partiu para a governação demasiado confiante, e neste momento já é tarde para responsabilizar o antecessor quando tinha muito mais razões para o fazer do que António Costa teve em relação a Pedro Passos Coelho. O caso das Saúde é aquele em que lhe pode sair mais caro não ter optado por nos mostrar em que estado António Costa deixou o Estado.