As “alterações climáticas” — nova etiqueta do “aquecimento global” — fazem-me lembrar a aposta de Pascal sobre Deus. Se o clima está mesmo a mudar, e a causa dessa mudança for o tipo de uso que a humanidade dá aos combustíveis fósseis, então que se faça o que for preciso para atenuar os factores dessa mudança. Ninguém quer cidades debaixo de água ou ursos polares sem gelo debaixo das patas. Mas se o clima não estiver a mudar, ou se, estando a mudar, a causa não for humana, que se faça também o que for preciso para poluirmos menos o planeta e dependermos menos de fontes não renováveis de energia, porque um ambiente mais limpo e uma vida mais sustentável são bens em si. Nada teremos a perder com isso, tal como Pascal nada tinha a perder em ser bom cristão, existisse ou não Deus. O que temos a perder, porém, é com o tipo de campanhas que as alterações climáticas estão a inspirar. E sem querer diminuir a questão do clima, atrever-me-ia a dizer que não são um problema menor, porque um ambiente político em que debater civilizadamente é impossível não é menos perigoso para a sobrevivência da civilização.
Para os evangelistas das alterações climáticas, tudo prova a iminência do fim do mundo, quer chova, quer faça sol. A urgência é tão grande, que já não é só a dúvida que é um crime, mas qualquer tipo de discussão, por mais contida. Só admitem “acção”, e “já”. Tudo isto é estranho, se pensarmos que os zeladores do clima insistem muito em ter o conforto da ciência. De facto, comportam-se como se tivessem tido uma revelação divina. Lembram mais um profeta no alto da montanha, do que um investigador no laboratório. Qualquer dúvida é uma heresia, qualquer divergência é uma blasfémia, qualquer debate é um pecado mortal, qualquer demora é o fim do mundo. Todo este frenesim apocalíptico implica dois riscos. Por um lado, aumenta a probabilidade de decisões erradas, por falta de escrutínio e de ponderação; por outro lado, ameaça subtrair uma grande parte das políticas públicas ao regime de liberdade e de controvérsia que é normal numa democracia pluralista. A campanha das alterações climáticas é hoje, pelo seu catastrofismo histérico, um dos maiores perigos para a democracia no Ocidente.
E é-o também pelo tipo de causas nefastas que entretanto têm tentado cobrir-se com o manto intocável da crise climática. Já passaram trinta anos depois do fim das ditaduras comunistas na Europa. Mas não falta quem aspire a destruir a democracia parlamentar e a economia de mercado. Para esses, as alterações climáticas foram uma dádiva dos céus. A emergência ambiental tem-lhes permitido denegrir os regimes democráticos, como incapazes de agir perante os problemas, e sugerir que a alteração dos modos de vida só pode significar a substituição do mercado pelo inevitável sistema de comando central à maneira soviética. Ora, tudo isto seria um pouco mais convincente, não se desse o caso de terem sido os regimes socialistas aqueles que, no século XX, maiores catástrofes ecológicas provocaram, como a destruição do mar de Aral na União Soviética.
As pretensas alternativas ao capitalismo e à democracia usaram o desconforto com as desigualdades, como agora usam as preocupações ecológicas, para minar e subverter as liberdades ocidentais. Mas nunca garantiram soluções eficazes e sustentáveis. De facto, os sistemas democráticos e de economia de mercado mostraram-se muito mais capazes de ultrapassar crises e injustiças do que qualquer outro sistema. Por isso, a melhor maneira de enfrentar a crise climática passa ainda e sempre por defender a democracia e o mercado contra o eterno retorno dos falsos profetas.