À volta das eleições directas do PSD, nenhuma pergunta é mais importante do que a do título. Nos últimos dois anos, escrevi-o muitas vezes: a redefinição do espaço político não-socialista depende da liderança do PSD e da sua capacidade em, estando ao centro, dialogar com os partidos e eleitores à sua direita, condição hoje imprescindível para a construção de uma alternativa ao PS. O raciocínio é já uma evidência da vida política portuguesa pós-2015. A partir do momento em que um PS minoritário (e com menos deputados do que o PSD) consegue governar com o apoio parlamentar de BE-PCP-PEV-PAN, servindo de íman para uma união das esquerdas, o PSD só conseguirá regressar ao poder obtendo uma maioria parlamentar que, com os partidos à sua direita, supere a esquerda em número de deputados. Assim, esta redefinição do espaço político não-socialista tornou-se prioritária desde, pelo menos, 2017 — quando a geringonça demonstrou ser um modelo de sucesso e ter a estabilidade necessária para concluir a legislatura (2015-2019). Mas não se fez, nem se promoveram entendimentos partidários liderados pelo PSD para as eleições autárquicas (2017), europeias (2019) ou legislativas (2019).
Nas eleições de sábado para a liderança do PSD, os militantes estarão em grande medida a decidir sobre isto: se o PSD pretende ou não assumir-se como o íman do espaço não-socialista, capaz de se abrir a todo o eleitorado do centro e da direita e, desse modo, propor-se como alternativa de governação. O timing não poderia ser mais apropriado: o PSD vai a votos enquanto o CDS-PP está (pela primeira vez desde 2005) com uma verdadeira disputa pela liderança do partido, surgiram dois novos partidos à direita com representação parlamentar (Iniciativa Liberal e Chega) e o PS permanece dependente dos partidos à esquerda para governar. As peças do puzzle partidário à direita do PS estão desorganizadas e devem agora arrumar-se. Por mais que outros assuntos ocupem as discussões, as eleições internas de PSD e CDS-PP só terão interesse se servirem esse propósito.
Para o PSD, a questão tem uma óbvia dimensão ideológica, sobretudo tendo em conta que se trata de um partido plural, que nunca foi ideologicamente marcado e que hoje, com a existência de mais partidos à direita, está obrigado a pensar melhor onde se posicionar nas escalas ideológicas. Mas a questão é também estratégica. Porque implica definir a relação com o PS – se é de oposição ou de parceria. E porque, internamente, implica uma vontade de pluralismo e de agregação das várias correntes políticas que historicamente definiram o partido, dos sociais-democratas aos liberais, passando pelos democratas-cristãos. Ou seja, somar apoiantes em vez de excluir militantes, com base numa obsessão de pureza ideológica (seja na social-democracia ou numa visão mais liberal). Até porque, ao agregar, não está em causa uma viragem do PSD à direita e consequente abandono do centro. O ponto é este: um PSD ao centro deve abraçar quem estiver à sua direita — o PSD pode até não “ser de direita” desde que “esteja à direita” para, aí, agregar e liderar um bloco de eleitorado e partidos que represente uma alternativa política ao PS.
A liderança de Rui Rio definiu-se, desde cedo, pela recusa desta prioridade de agregação política no campo não-socialista. Excluiu apoiantes e eleitorado ao insistir numa visão ideológica afunilada, onde apenas cabe a social-democracia. Rejeitou a criação de plataformas de entendimento com o CDS-PP, secundarizando a sua relação com Assunção Cristas nos últimos dois anos. Elevou o PS a partido-charneira, porque se disponibilizou para acordos com António Costa, seja para uma eventual viabilização de um governo socialista (caso houvesse um acordo para reformas estruturais), seja para os acordos que assinou, dando a mão ao governo nos dossiers dos fundos estruturais e da descentralização. Elegeu como alvo a “extrema-esquerda”, e não o PS, como que lutando com essa por uma relação privilegiada com o governo socialista. Defendeu como bandeiras-políticas reformas que colidem com o eleitorado natural do centro-direita, nomeadamente na Justiça e na comunicação social. E prometeu que, a ser eleito, os próximos dois anos serão mais do mesmo.
Ou seja, Rui Rio fez muito mais do que estar ao centro (que é onde o PSD deve estar). Rio confundiu posicionar-se ao centro com a rejeição em liderar a redefinição do espaço não-socialista, a única via realista para o PSD se apresentar como alternativa a um PS com apoio assegurado pelas esquerdas. Ao contrário dos seus críticos, nomeadamente Montenegro e Pinto Luz, cujas candidaturas se sustentam nessa maior abertura do partido. A escolha nas eleições directas do PSD resume-se a isto, sobretudo nesta segunda volta. Se os militantes escolherem Rio, em detrimento de Montenegro, o PSD não estará só a optar por uma estratégia redutora do seu potencial, mas também a deixar todo o espaço não-socialista à deriva e sem liderança.