O sistema bancário português é um queijo Gruyère. Só que os famosos buracos do queijo fraqncês são outras tantas promessas de apreciados sabores, enquanto os sinuosos meandros do nosso sistema bancário nos levam de buraco em buraco, cada vez mais fundo, sem base firme onde quer que seja. Só agora é que isso está à vista depois da quinta intervenção do Estado desde 2009 – se não me engano: BPN, BPP, BES, Banif e a mais recente no Novo Banco – mas a verdade é que as causas vêm de longe e têm mais que ver com a economia política do regime do que propriamente com a crise e as respectivas questões financeiras.
Com efeito, o sistema bancário anterior ao 25 de Abril era uma coutada submetida à ditadura financeira salazarista segundo o peso de algumas famílias, como os Espírito Santo, os Melos e os Champalimaud, em regime de «condicionamento económico», sem liberdade nem concorrência plenas. Com o 11 de Março de 1975, foi fácil nacionalizar todos os bancos (a Caixa Geral de Depósitos era do Estado desde sempre), ao mesmo tempo que o resto da economia com alguma envergadura, ficando durante anos sujeitos basicamente a entendimentos entre os governos eleitos e os sindicatos bancários, grandes beneficiários da operação. Quem já tem idade, lembrar-se-á das vidraças das agências bancárias das ruas principais com cartazes manuscritos afixados onde se podia ler: «A banca é do povo»!
Mais difícil foi reprivatizar a banca e, na realidade, o mancomunamento original entre o Estado e o sector privado nunca desapareceu, mantendo-se a CGD de longe como a maior instituição bancária do país, só tendo perdido há alguns anos o controle sobre as contas dos funcionários públicos e dos reformados da CGA. Os novos bancos saídos da parcial desestatização do sector foram todos feitos sobre os escombros das antigas instituições privadas. Deliberadamente, como sucedeu com o Banco Pinto & Sottomayor (Champalimaud), o sector foi mantido em estado de fragmentação, usando o Estado a CGD como regulador fáctico, conforme se tem visto igualmente com a luta de dez anos entre os actuais BCP e BPI, e a perda de valor que isso representou para ambos!
A fragmentação deliberada e o condicionamento estatal do sector, bem como a falta de livre concorrência, mantiveram pois a economia bancária na órbita dos sucessivos governos e ao abrigo da competição externa. Foi neste caldo de cultura familista e estatizada, flagrante na entrega do BES nacionalizado aos antigos donos, que a banca medrou até à criação do euro e à crescente regulação do sector pelas autoridades europeias. Nenhum governo português se atreveu a passar sequer com o espanador pelo mofo acumulado, nalguns casos há um século, como acontecia com os Espírito Santo. Vítor Constâncio é, porventura, a epítome do corporativismo bancário nacional que agora está a explodir sob os nossos olhos e à custa do país.
Com a entrada no euro e a liberdade de endividamento ilimitado efectivo concedida pela União Europeia ao deixar-nos acumular anos a fio de défice orçamental, os governos de Guterres e Sócrates levaram o país a sucumbir perante a austeridade exigida não só pela recessão de 2007, mas também pelo envelhecimento da população e a falta de modernização da maioria dos sectores de reprodução social, desde a educação ao consumo e da habitação e o comércio. Do ponto de vista do sector bancário, nos últimos dez anos passou-se do condicionamento e do proteccionismo à apropriação directa dos bancos pelos governos e vice-versa, sem qualquer freio aos cruzamentos conhecidos e desconhecidos entre os buracos desse queijo Gruyère em que a banca portuguesa se tornou.
Não é à toa que economias de duvidosa transparência, como Angola e o Brasil, com o pretexto soberanista da lusofonia, mas também a chinesa (a Fosun ainda pôs o nariz de fora no caso BES), beneficiaram de todos os pretextos para proteger a banca e os outros sectores da concorrência externa, quando hoje toda a gente sabe que o alegado investimento lusófono (e chinês) é meramente especulativo e se esconde atrás de regimes corruptos e autoritários, cujos investimentos desaparecerão como surgiram!
Ainda o ano de 2015 não terminara e já o governo resgatava mais um banco, esse duvidoso Banif que já queimou mais dois ou três por cento da economia, atirando os custos directos, não para os contribuintes, como escrevem os jornais genericamente, mas sim para a minoria daqueles que ainda tenham capacidade para pagar. O melhor artigo a respeito das falsidades espalhadas a respeito dos resgates bancários é o do jurista J. M. Oliveira Antunes. Obviamente, o resgate de um banco com características tão peculiares como o Banif não pode deixar de estar associado à dívida da Madeira e a tudo o que ela representa de pior, do credito imobiliário às chamadas obras públicas. E ainda mal este novo buraco se abrira no Gruyère da banca, o governo riscou mais uns tantos por cento da economia nacional, desta vez à custa de credores de peso do BES. É provável que isso tenha agradado aos «esquerdistas» do governo actual, mas em nada ajudará à prometida recuperação económica do país, nomeadamente ao investimento estrangeiro de qualidade. Nestas condições, cujo fim não está à vista, há todavia quem faça prognósticos favoráveis para o ano que entra… Não percebo como!