Há muito tempo que se vem dizendo que o PS levou até ao limite do inimaginável a máxima “quem se mete com o PS leva”, transformando o Estado numa máquina controlada pelo partido, com um Governo em que reina a displicência, característica de quem se considera dono do país, e com um primeiro-ministro que parece limitar-se a jogos de poder e propaganda. António Costa deixou a TAP entregue a seu suposto sucessor, aparentemente apostando, com também aparente sucesso, na sua autodestruição. Com tantas tácticas de poder, pelo controlo do PS, do Estado, das empresas públicas e do País em geral, os reais problemas dos portugueses vão sendo esquecidos.
O primeiro-ministro diz agora que teria demitido o já demitido secretário de Estado das Infraestruturas Hugo Mendes, transformado no cordeiro pascal do lamentável processo da TAP e afirma-se furioso com Pedro Nuno Santos, o seu anunciado sucessor, agora caído em desgraça e que terá percebido, até pela informação que tinha, que o caso lhe ia explodir nas mãos. Mas António Costa parece esquecer-se que é primeiro-ministro e que deixou um dossier como o da TAP a ser gerido sem qualquer coordenação ou supervisão sua ou mesmo do Conselho de Ministros. Pensou certamente que a TAP era “tóxica” e, já agora, podia intoxicar Pedro Nuno Santos. Afinal acabou a intoxicar o Governo.
A vantagem de a TAP ter sido presidida por alguém que não precisa de agradar à elite socialista, para continuar a ter trabalho em Portugal, é sabermos a verdade, a forma como as empresas públicas são geridas. Christine Ourmières-Widener contou o que mais ninguém teria tido coragem de dizer se quisesse continuar a trabalhar no país. Sabemos bem como o PS pode impedir que “quem se mete com o PS” continue a garantir o seu ganha-pão no país, se de alguma forma depender do Estado que o PS controla. Bem-dito o momento em que Pedro Nuno Santos, na tentativa de mostrar que queria uma gestão independente, contratou Christine Ourmières-Widener. (Que sabemos que afinal não queria)
Nesta última semana assistimos ao inimaginável, ao que nem nos piores cenários conseguiríamos suspeitar. Omissões e mentiras, proibições, interferências e pressões e desrespeito pelas instituições, especialmente pelo papel do Parlamento.
Da fase “ninguém sabia de nada”, a não ser Hugo Mendes, e que fazia da CEO da TAP uma tonta que não sabia que um administrador só se pode mudar com o aval do accionista, passámos para afinal “quase todos sabiam tudo”. Só não suspeitamos que os ministros das Finanças e o primeiro-ministro sabiam também porque Pedro Nuno Santos queria ser o “dono da TAP”, o que António Costa deixou com gosto.
E sabemos, ou admitimos isso, porque o secretário de Estado Hugo Mendes fez questão de enviar uma mensagem à CEO da TAP a gritar, dizendo que “TODAS as questões relacionadas com o Governo devem ser encaminhadas através de nós”, numa repreensão por Christine Ourmières-Widener ter falado com outro governante. Mais, nessa mensagem é dito que a CEO da TAP é a única que não cumpre essa orientação, de falar apenas com eles, pressupondo-se que os presidentes das outras empresas tuteladas por Pedro Nuno Santos eram muito respeitadores. Além disso, ficámos indirectamente a saber que o Ministério das Finanças não se atrevia a falar com as empresas consideradas pertença de Pedro Nuno Santos. E que ninguém considerou isso uma anormalidade na governação, alertando o primeiro-ministro. E que nem o primeiro-ministro se apercebeu ou quis aperceber disso.
Mas as proibições não se ficaram por Pedro Nuno Santos e o seu agora muito conhecido, e odiado pelo PS, Hugo Mendes. Também o novo ministro das Infraestruturas João Galamba proibiu a CEO da TAP de apresentar os resultados positivos que obteve.
Além das proibições, ficámos também a conhecer as interferências e a saber que a TAP era tratada como se fosse o carro lá de casa. O Ministério das Infraestruturas, mais uma vez através de Hugo Mendes, achou perfeitamente natural alterar um voo de Moçambique, prejudicando a vida de 200 pessoas para que o Presidente da República continuasse amiguinho. Marcelo Rebelo de Sousa considerou já que seria “estúpido e egoísta” mudar um voo por causa dele, mas convenhamos que ainda há coisas por perceber nesta história. Foi a agência de viagens, voluntariosa, que decidiu pedir isso à TAP? Como é que sabia que o PR queria ficar mais dois dias em Moçambique?
E temos finalmente os exemplos de promiscuidade e desrespeito pelas instituições, expondo de forma brutal o entendimento que o PS tem sobre o exercício do poder.
Ficámos a saber que as explicações pedidas à TAP pelo ministro das Finanças Fernando Medina e pelo então ministro das Infraestruturas Pedro Nuno Santos, no dia 26 de Dezembro de 2022, foram sendo feitas pela presidente e pelo ‘chairman’ da TAP com a ajuda do secretário de Estado de um dos ministros que pediu as explicações, o das Infraestruturas, Hugo Mendes. A edição e escrita conjunta das explicações foram divulgadas pelo deputado da Iniciativa Liberal Bernardo Blanco na audição à presidente executiva da TAP e por ela confirmadas. O texto final é enviado para o Governo quase à meia-noite que o divulga no dia seguinte. É obviamente difícil de acreditar que Pedro Nuno Santos não estivesse a acompanhar o seu secretário de Estado na elaboração das explicações.
E como se isto tudo não bastasse, ficámos a saber que Christine Ourmières-Widener reuniu dia 17 de Janeiro com membros dos gabinetes do ministro das Infraestruturas João Galamba e da ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares Ana Catarina Mendes, assim como com o deputado e coordenador da comissão da TAP Carlos Pereira para preparem a sua audição de 18 de Janeiro. O papel do Parlamento é totalmente menorizado. Pedro Nuno Santos esclarece dois dias depois, a 20 de Janeiro, que afinal aprovou o pagamento da indemnização da TAP a Alexandra Reis “em comunicação informal”, leia-se WhatsApp, com o seu secretário de Estado e a sua chefe de gabinete.
Ficámos ainda a saber que o ministro das Finanças convidou a CEO da TAP a demitir-se um dia antes de anunciar o seu despedimento em conferência de imprensa e que o ministro das Infraestruturas lhe disse que ia ser demitida nesse dia de manhã.
O PS vai agora tentar sacrificar Hugo Mendes. Carlos César elogia a gestão de Pedro Nuno Santos e diz que Hugo Mendes teve uma “conduta perniciosa” e “estúpida”. O primeiro-ministro diz que o teria demitido se soubesse do mail a pedir a alteração do voo do Presidente, protegendo oficialmente mas não oficiosamente Pedro Nuno Santos, com quem está “furioso”. Vamos ver o que fará ou dirá Pedro Nuno Santos.
Lamentavelmente, todo este caso, numa comissão parlamentar que ainda vai no seu início, expõe uma forma de governar que confirma os piores receios que podíamos ter. Uma governação displicente e leviana que só o pode ser por falta de oposição e porque o PS se considera acima de todo o escrutínio e responsabilidades e dono do Estado. Uma governação de “posso, quero e mando” em que os interesses do país estão subjugados aos jogos de poder dentro do PS e no Estado. Uma governação em que são castigados todos aqueles que se atrevam a criticar o Governo e o PS. Enfim, uma governação em que o país é tratado como o quintal ou a varanda lá de casa. A democracia está cada vez com mais falhas e isso tem de nos preocupar, até pelos sinais de que o regime está bloqueado.
