Sim, temos dos piores números da epidemia na Europa: há vários dias que morrem em Portugal mais de 4 pessoas por hora com Covid. Sim, fomos dos países cujas economias menos cresceram no mundo nas últimas duas décadas. Sim, passamos, há vinte anos, pelo mais longo período de divergência em relação à Europa ocidental desde a II Guerra Mundial. Sim, nunca na nossa história nos vimos tão dependentes do exterior, com uma das maiores dívidas da Europa, que só a política do BCE viabiliza. Sim, continuamos à espera do julgamento do primeiro chefe de governo, na nossa história democrática, acusado de corrupção e suspeito de conspirar contra o Estado de Direito. E sim, tudo isso aconteceu sob governos socialistas, que foram quase sempre os governos deste país nos últimos 25 anos. Mas enquanto a mortalidade sobe, eis que o partido que nos governa também sobe nas sondagens, à frente de todos os outros.

Em Abril do ano passado, falaram-nos de milagre a propósito da epidemia. Como vemos agora, não houve milagre epidemiológico nenhum. Mas na política, sim, há um milagre: está no aparente conforto com que a elite do poder preside em Portugal à crise epidemiológica, ao declínio económico, e à degradação institucional. Nos EUA ou no Brasil, vimos governantes justa ou injustamente responsabilizados pelas infecções e pelas mortes. Em Portugal, com as suas emergências cheias de excepções para o PCP e com as suas embirrações ideológicas contra parte do sistema de saúde, o governo parece livre de errar e de vacilar sem quaisquer custos. Basta-lhe anunciar que as escolas ficam abertas para, no meio do descalabro, arrancar palmas a uma plateia aparentemente desesperada por arranjar motivos para aplaudir.

Milagre? Não há aqui milagre nenhum. O que há é poder, e um poder como a sociedade portuguesa nunca conheceu desde 1976. E não conheceu porque nunca, como até hoje, um partido dominou tanto o Estado, e nunca o Estado dominou tanto uma sociedade cada vez mais enfraquecida e dependente. Por isso mesmo, é que ao poder socialista se pode aplicar o proverbial dito do quanto pior, melhor. Quanto mais acentuada a estagnação económica e quanto mais devastadora a opressão fiscal, menos há na sociedade civil barreiras ao Estado e menos há no espaço público contestação ao poder socialista. Eis porque a pandemia foi, para o socialismo, um presente dos deuses. Fechou empresas, fragilizou outras, e submeteu ainda mais gente aos favores públicos. Sim, temos um Estado falido, mas que, garantido pelo BCE, é agora, com as ajudas europeias, a grande fonte de dinheiro num país onde o que não foi estrangulado pelo fisco e pela regulação, acabou demolido pelos confinamentos. Perante isto, o que há de milagroso na ânsia com que se aplaude os donos do país, ou no medo de opinar contra eles? É que a oligarquia socialista não se distingue apenas pelo poder que acumulou, mas pela brutalidade com que o exerce. O mês passado, o chef Ljubomir Stanisic atreveu-se a protestar, como se faz nos países democráticos. Ei-lo imediatamente exposto em escutas telefónicas comprometedoras, como acontece nos países não democráticos. Esta semana, soubemos que o Ministério Público passou a vigiar e a perseguir jornalistas a pretexto do mitológico “segredo de justiça”. Entretanto, os donos disto tudo pedem-nos para estarmos muito preocupados com a democracia – nos EUA.

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