A notícia da nomeação para subdiretora-geral de Veterinária pela Ministra da Agricultura fez-me voltar a uma das grandes questões da economia portuguesa: por onde anda a geração mais qualificada de sempre? Esta notícia sugere que não anda pelos mais altos cargos da administração pública. Esta notícia também nos faz pensar sobre os critérios que hoje valem para a promoção aos mais altos cargos da administração pública.
Volto assim mais uma vez ao grande paradoxo da economia portuguesa: porque é que o enorme aumento de escolaridade não resultou ainda num aumento robusto da produtividade e do crescimento da economia? De facto, ainda não conseguimos ver a geração mais qualificada de sempre nas estatísticas da produtividade. Também é cada vez mais difícil encontrá-la nos altos cargos de direção da nossa administração pública. Estas duas evidências não estão desligadas. A incapacidade de promover os melhores aos mais altos cargos da administração pública tem graves consequências para o desempenho da nossa economia.
Nas últimas décadas, registou-se uma profunda alteração na estrutura de qualificações da economia portuguesa. Esta alteração foi transversal a todos os sectores de atividade, da indústria transformadora aos serviços (ver Tabela). No entanto, esta imensa injeção de qualificações nas empresas não resultou num aumento da produtividade e do crescimento potencial.
Escolaridade por sector de atividade 2006 e 2019 (%)
Elenquei aqui algumas condições necessárias para transformar o talento das novas gerações de diplomados em valor económico e mais bem-estar. As empresas portuguesas já enfrentam grandes desvantagens competitivas por estarem baseadas numa pequena economia periférica. Para compensarmos essas desvantagens competitivas devíamos ter uma das administrações públicas mais eficientes. No entanto, quando analisamos comparações internacionais, concluímos que há muitos domínios em que a ineficiência das instituições é uma desvantagem competitiva da economia portuguesa. Adicionalmente, como mostra um estudo recente do Banco de Portugal, na área das instituições e mercados, em 2019, Portugal encontrava-se numa posição mais desfavorável em termos internacionais do que em 1995. A última edição do inquérito do INE aos custos de contexto das empresas mostra que o sistema judicial e fiscal e os licenciamentos são as dificuldades mais referidas pelas empresas. Em relação aos custos de licenciamento, a perceção das empresas agravou-se entre 2017 e 2021.
Não é possível melhorar o contexto em que atuam as nossas empresas sem termos dirigentes mais competentes na administração pública. O Governo de Pedro Passos Coelho criou, em articulação com o então líder do Partido Socialista, António José Seguro, a Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública (CRESAP). O objetivo era despolitizar as nomeações e promover a nomeação, por uma entidade independente, baseada em perfis de competências definidos pelos governantes. O mecanismo teve falhas nos seus primeiros anos e ficou sempre aquém dos objetivos fixados para a sua criação. Patrícia Silva, da Universidade de Aveiro, mostra num excelente ensaio da Fundação Francisco Manuel dos Santos que o processo de nomeação varia muito entre países, com resultados muito diversos para os vários sistemas. Qualquer que seja o processo de nomeação dos dirigentes, o que parece ser crucial para a eficiência da administração pública é a escolha de dirigentes competentes.
No atual governo, temos um processo de escolha baseado de facto na confiança política, utilizando recorrentemente a figura da nomeação por substituição – como aconteceu recentemente com as nomeações do Ministro da Economia –, sob a capa de uma escolha neutra, dado que a CRESAP continua formalmente a existir. Formalmente, existe uma instituição que escolhe os dirigentes com base numa análise de mérito. De facto, os dirigentes são fundamentalmente o resultado de escolhas políticas. Nessa situação, as escolhas para a administração pública refletem em grande medida a qualidade dos membros do governo. E, assim, a qualidade das instituições públicas, descrita pelos indicadores referidos acima, reflete a qualidade dos membros do governo.
Felizmente, em muito casos, como aconteceu com a subdiretora-geral de Veterinária e com vários membros do atual governo, a sociedade, com o papel essencial dos media, acabou por impor critérios de nomeação mais exigentes. Esta exigência foi também imposta aos organizadores das Jornadas Mundiais da Juventude, que estão a ser obrigados a rever orçamentos por pressão da sociedade. Estes casos mostram que a sociedade está hoje num patamar de exigência superior aos dos governantes em relação à gestão da coisa pública. Isso acontece, em parte, porque a geração mais qualificada de sempre não está no topo da administração pública e também não está em muitos dos lugares que compõem o atual governo. A nossa sociedade exige, e merece, melhores governantes e melhores dirigentes para a administração pública. E a economia agradece.