Sempre me impressionei com a necessidade da exteriorização pública da dor, fosse ela qual fosse. Sim, impressionado, era o termo certo. Com o passar dos anos, continuo a ficar impressionado, mas acho que já consigo entender um pouco melhor a necessidade dessa exteriorização da dor. Mantenho o mesmo respeito, a minha solidariedade e empatia, mas só pontualmente fico impressionado. Pouco mais posso fazer por qualquer dor sentida, pois tudo o resto só pertence a quem dela padece. E, pelo que testemunho, tenho a certeza de que é impossível tamanha dor não ser real. E será uma dor tão real como infinita, pois tal mágoa, tal angústia, corresponderá à impotência em ter que assumir um permanente vazio que é impossível de se poder disfarçar. E, de todos esses sinais íntimos e profundos, os que mais me continuam a impressionar são aqueles que se referem aos familiares dos jovens que perderam a vida durante a Guerra Colonial. Todas as vezes que entro no cemitério da terra transmontana que me acolheu quando vim de Moçambique, deparo-me com essa iconografia de santos e santinhas, terços, velas, roupas, boinas e fotografias de rapazes de tenra idade que eu nunca conheci mas, pelo facto de as ver e rever, anos a fio, criei com eles uma certa proximidade e, algumas das vezes, quando dou conta, estou em pleno diálogo com elas. E pergunto-lhes o que foi que sentiram ao deixarem a aldeia, pais, amigos e namoradas quando foram mobilizados para terras quentes, estranhas, longínquas e desconhecidas. Há alturas em que tento, abusivamente, arrancar-lhes um último segredo das suas vidas, perguntando-lhes se se sentem orgulhosos por um dia, sem saberem muito bem porquê, terem tido que fazer aquela jornada que os levou até onde se encontram agora. E cada um deles me dá uma sua resposta atabalhoada, simples mas sincera. No outro dia, num desses diálogos, a resposta veio firme, clara e com lágrimas. Era a voz duma mãe saudosa que perdera dois dos seus filhos naquelas terras distantes. Disse-me que era uma mãe muito orgulhosa dos seus filhos, apesar de, de vez em quando, lhe atirarem à cara que aquela guerra tinha sido uma guerra de vergonha.

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