Um dos melhores textos escritos sobre a dignidade e a decência na política foi o clássico de Max Weber, “A Política como Vocação.” Foi publicado em 1921, três anos depois do fim da Guerra, quatro anos depois da Revolução Bolchevique e com o país de Weber, a Alemanha, em profunda convulsão. Em grande medida, o texto de Weber é uma resposta ao conceito de Estado e de poder de Trotsky e dos Bolcheviques. Weber contrapõe o poder absoluto do Estado revolucionário ao exercício legítimo do poder do Estado democrático, baseado na lei.

Desta oposição inicial, resultam duas outras distinções fundamentais. Uma entre os líderes que servem os interesses da democracia (“da comunidade de direito” na formulação Weberiana) e aqueles que se servem da política para prosseguir os seus interesses pessoais, que podiam ser revolucionários (o génio de Weber mostra, sem qualquer sombra de dúvida, que as revoluções não são feitas para o bem geral, mas para servir o poder e os interesses dos seus líderes). A outra distinção, igualmente essencial, é entre a “ética da responsabilidade” e a ética da paixão, a qual em nome de grande ideais, acaba quase sempre no uso do poder sem escrúpulos.

Por que razão o texto de Weber, escrito há cem anos, continua a ser actual? Por uma razão muito simples. Um regime que reclama uma superioridade moral em relação a outros regimes, como fazem as democracias em relação às ditaduras, exige aos seus líderes e aos seus governos uma conduta assente na ética da responsabilidade e no serviço aos valores democráticos. A legitimidade das democracias depende disso.

Aqui chegamos aos dois Ds, dignidade e decência, e a dois exemplos dos últimos dias. A dignidade pode ser entendida como o oposto da humilhação. A cerimónia de apresentação da versão final do programa de recuperação com Von der Leyen ficou reduzida à manifestação de cobiça pelo dinheiro por parte de António Costa. Com uma simples expressão, o PM mostrou que a Europa para os socialistas se reduz a dinheiro. A União Europeia é a fonte de recursos para o PS consolidar o seu poder em Portugal. Num país empobrecido e em crise, o homem com acesso ao banco é o homem que tem poder. Nem o Presidente da República pode ir ao banco. Só o PM. E o dinheiro servirá sobretudo um objectivo: ajudar o PS a ganhar as eleições em 2023. Por isso, Costa não tem qualquer problema em humilhar-se em público. O governo socialista é subserviente com os ricos e com os poderosos, e é arrogante com os fracos e os pobres. Os primeiros são os europeus. Os segundos são os portugueses.

O discípulo de Costa, que o PM deixou à frente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, mostra uma absoluta falta de decência no modo como está a lidar com a transmissão de dados de cidadãos portugueses para o governo de uma ditadura como a Rússia. Mentiu, dizendo que não conhecia o que conhecia. Foi incompetente, mostrando que gere a autarquia sem zelo e sem cuidado. E foi irresponsável, comportando-se como um chefe de repartição que está ao balcão (foi o PM que o disse) e não como um líder político. Para culminar todos estes desastres, demitiu, sem qualquer escrúpulo, um funcionário da Câmara com décadas de serviço público, arranjando assim um “culpado” para se tentar salvar (o PS é mesmo o partido dos funcionários públicos?).

A repetição destes comportamentos sem dignidade e sem decência (e há tantos exemplos nos últimos anos) afectam a legitimidade da nossa democracia. Muitos não o percebem no dia a dia, mas as grandes mudanças são simultaneamente silenciosas e poderosas. Muitas vezes, quando chegam já é tarde. O pior de tudo, é a tentação irresistível para ignorar os avisos sérios. Uma democracia com mais de 50% de abstenção está a perder legitimidade. Será que já chegámos ao momento em que a legitimidade democrática e o poder socialista estão em choque? E ninguém no PS nota o que está a acontecer?

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