Sim, eu sei que o assunto do dia (e da noite) é o facto de o PS ter um novo líder mas foi exactamente o PS que fez aprovar na passada sexta-feira, num parlamento em final de ciclo, legislação que marca um antes e um depois na utilização de um serviço público, a escola, como instrumento político e de controlo ideológico. Porque é disso e só disso que trata a legislação dita sobre o “direito à autodeterminação da identidade de género”.

Não, não foi na I República com a sua escola jacobina, nem no Estado Novo salazarista com a Mocidade Portuguesa e também não foi no PREC comunista com as suas sessões de esclarecimento, mas sim na democracia que estamos a assistir à institucionalização da utilização massiva das crianças como instrumentos de controlo do pensamento dos pais e demais familiares, através da impropriamente chamada legislação sobre a identidade de género.

Se a legislação agora aprovada não for travada pelo Presidente da República, as crianças portugueses mal entram num estabelecimento escolar ou do pré-escolar, público ou privado, passam a ser obrigatoriamente cobaias duma experiência ideológica de dimensões nunca conhecidas em Portugal quer pelo número das crianças abrangidas – a sua quase totalidade – quer pelos meios que o Estado se permite usar para conseguir os seus objectivos ideológicos.

Para se perceber o que está em causa deve ler-se o destravado articulado legislativo que dá corpo a tudo isto. Escrito num português pindérico (a que nem o inefável “derivado da”), em que os chavões se encavalitam, institui a figura do “responsável ou responsáveis na escola a quem pode ser comunicada a situação de crianças e jovens que manifestem uma identidade ou expressão de género que não corresponde à identidade de género à nascença”.

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Leia-se outra vez para se perceber bem o que está subjacente a isto: nas escolas alguém – com que formação? – recebe a informação – dada por quem? Anonimamente? – de que uma determinada criança – a partir de que idade? E com base em quê? Em que o menino gosta de roupa de menina ou vice versa? – manifesta “uma identidade ou expressão de género que não corresponde à identidade de género à nascença”. Importam-se de repetir: “identidade de género à nascença”?

Como é que alguém acabado de nascer tem “identidade de género” que é uma construção social? (Ó senhores deputados, tanta ignorância já não pasma mas ainda cansa!)

Umas linhas mais à frente a “identidade de género à nascença” dá lugar “ao sexo atribuído à nascença” e aqui chegamos ao cerne da questão: nada do que se institui se destina a resolver os problemas das crianças que sofrem de disforia de género (e que são uma minoria) mas sim substituir o sexo biológico pelo género ideológico e com o género como pretexto para retirar poder à família, que passa para segundo plano no desenho da vida dos seus filhos.

Sessões de propaganda designadas como “ações de informação e sensibilização” “sempre que possível em articulação com coletivos LGBTIQ+” esperam famílias, professores, demais funcionários escolares e também as crianças.

Não se aceita a discordância.

Muito menos a oposição. E sublinho que ela é urgente porque esta impropriamente designada “autodeterminação da identidade e expressão de género” está a ser questionada nos países em que este tipo de legislação foi introduzido primeiramente.

Não se tolera sequer que alguém procure preservar os seus filhos disto: ao contrário do que aconteceu no passado, as escolas privadas não escapam ao novos dogmas.

Sim, primeiro achou-se que era uma excentricidade.

Depois uma moda.

Depois ainda uma mania que havia de passar.

Depois que, não passando, só afectava aqueles que estivessem interessados.

E claro havia outros assuntos para discutir: era a crise, a dívida, a corrupção, o SNS, o PR, a TAP, a COVID… E tudo era mais sério e mais urgente.

E, claro, se tal coisa fosse em frente nós havíamos de conseguir preservar-nos e preservar os nossos das consequências de tal loucura.

Mas quando demos por isso a loucura tornou-se lei. E a lei é para todos, não é?