Acabou 2020. A poeira assentou e um dos anos mais controversos da nossa história enquanto espécie ficou, finalmente, para trás. As mentes estão renovadas com as boas perspectivas trazidas pela recente vacina e a vontade de regressar à normalidade pré-Covid-19 é maior que nunca. Mas aqueles que não crescem e aprendem com os erros do passado estarão condenados a repeti-los no futuro e, assim, há factos que me parecem merecer uma análise mais detalhada.

Em 2020, a mortalidade global em Portugal cresceu cerca de 10%, havendo um incremento de cerca de 11000 óbitos face a 2019, tendo o ano de 2019 sido aquele em que se haviam contabilizado mais óbitos nos últimos 10 anos, consequência natural do envelhecimento da população. Este aumento representa, por larguíssima margem, o maior dos últimos 10 anos, sendo que, mesmo se forem descontadas as mortes por Covid-19 – contabilizadas na ordem das sete mil – contempla-se um excedente de quatro mil óbitos face ao ano anterior. Este excedente de quatro mil óbitos, por si só, é o maior dos últimos 10 anos, o que, se tivermos em conta que até meados de Março, o ano de 2020 até estava ter uma taxa de mortalidade inferior a 2019, leva a merecer uma discussão mais profunda. Para este exercício, há outro dado que merece ser tido em conta. O indicador das mortes por Covid-19 está longe de ser assertivo, como foi dito pela própria DGS, o que poderá levar a um excesso de contabilização de mortes pela referida doença. Não me focarei nesta estratégia, adoptada por quem de direito.

Mas este excedente de mortalidade não foi uma realidade em todo o mundo. Ao contrário do que se poderia pensar há uns meses, tendo em conta a “informação” que é disponibilizada, a Suécia, com uma particular estratégia de gestão da pandemia, fecha o ano de 2020 com um incremento de mortalidade global significativamente mais baixo do que o português, até não muito diferente daquele registado em anos anteriores. Factualmente, morreram em 2020, na Suécia, cerca de sete mil pessoas a mais do que a média anual do período 2010-2019, situada nos 90600 óbitos, representando um aumento de 7%. Por 2019 ter sido um ano invulgarmente parco em mortalidade na Suécia, contrastando com o violento 2018, na sequência de um forte surto de gripe, considerei mais honesto analisar os dados a 10 anos, dado que nos anos anteriores a 2018, a mortalidade sueca se manteve relativamente estável. Como complemento a estes dados, surge o facto de a esmagadora maioria das mortes por Covid-19 ter acontecido em grupos etários muito próximos à esperança média de vida de cada país. Tanto em Portugal como na Suécia, por exemplo, onde a esperança média de vida se situava nos 81 e 82 anos em 2018, respectivamente, cerca de 70% das mortes atribuídas à Covid-19 aconteceram no grupo etário de cidadãos com mais de 80 anos de idade, subindo o valor para cerca de 90%, se tivermos em conta o grupo etário de cidadãos com mais de 70 anos.

Serve esta introdução, meramente expositora de factos, para lançar algumas questões relevantes quanto a esta pandemia que hoje ainda vivemos.

Recentemente, Tiago Mayan Gonçalves, candidato à presidência da República apoiado pela Iniciativa Liberal, mencionou este excedente de mortes em Portugal numa das entrevistas aos canais públicos durante a sua campanha eleitoral. Aproveitando a boleia do supramencionado candidato, penso ser essencial debater dois pontos, pelo menos: o facto de a Suécia, com a sua estratégia vista como peculiar, ter registado um aumento residual de mortes, contrastando com o caso português; e o facto de termos assistido, em Portugal, a um claro excedente de mortes extra Covid-19. As respostas são curtas mas, a meu ver, claras:

  • Lidar com a Covid-19 como doença que é, e com o SARS-CoV-2 como vírus que é, sem dar lugar a pânico e sem hipotecar toda uma sociedade, leva a resultados globalmente mais positivos, não só em termos sanitários como em termos económicos e sociais. Cada vez mais, os números da Covid-19 demonstram que a mesma deve ser gerida com precaução e ponderação, mas sem extremismos ou medidas que hipotequem o futuro a médio e longo prazo de toda uma sociedade.
  • Priorizar de modo excessivo a contenção da pandemia, concretizada na cega e insustentável busca pelo “achatamento da curva”, levou a danos colaterais maiores, aos que se junta todo o destruir de sectores chave para a economia e a sociedade, portuguesa e global. No caso português, a não utilização de todo o sistema de saúde disponível no país (público e privado), contribuiu para um excedente de mortes que continua por justificar por parte de quem de direito.
  • O SARS-CoV-2, enquanto vírus, tem uma probabilidade residual de resultar em mais do que sintomas ligeiros quando contraído por pessoas normalmente saudáveis. Assim, a gestão da pandemia deve ser feita com foco nos grupos de maior risco, seja por idade, seja por patologias precedentes e, dada a sua facilidade de propagação, no adequado reforço dos sistemas de saúde, tanto a nível material como em condições para os profissionais do ramo.

A saúde é um estado de bem-estar físico, mental e social. Em 2020, dois destes pilares foram veementemente deixados de parte. Que em 2021 possamos, novamente, viver sem medo de um vírus que não é mais do que isso mesmo.

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