O menu apresentado aos portugueses pelos partidos candidatos às eleições legislativas de 6 de Outubro é muito variado. Algumas ideias inovadoras, outras muito velhas e, sobretudo, mais do mesmo. Encontramos um pouco de tudo. O continuar a governar como habitualmente do PS. A estafada promessa de descida de impostos do PSD e do CDS. As nacionalizações do BE. O homem novo português da Iniciativa Liberal – aquele que não paga impostos. O PCP igual a si próprio. Ou seja, a ideia de que agora somos todos social-democratas é manifestamente exagerada.
Nos últimos oito anos, Portugal conseguiu ultrapassar mais uma ameaça de bancarrota e entrou numa rota de estabilidade. É verdade que esta estabilidade foi alcançada com o apoio e a vigilância das instituições internacionais. No entanto, os resultados económicos alcançados nas duas últimas legislaturas mostraram, aos portugueses e ao mundo, que somos governáveis.
A economia portuguesa cresce há 22 trimestres consecutivos, isto é, há mais de cinco anos. Infelizmente, esse crescimento apenas ultrapassou os 2% em 2017 e 2018. De caminho, Portugal aproximou-se ainda mais da cauda da Europa. O desemprego caiu de mais de 17% em Janeiro de 2013 para cerca de 6%. Porém, o crescimento dos salários foi em grande medida impulsionado pelo aumento do salário mínimo. O défice orçamental aproxima-se de zero, mas a dívida pública ainda corresponde a mais de 120% do PIB, a terceira mais elevada da União Europeia. Os sinais de ruptura nos serviços públicos são cada vez mais visíveis e a carga fiscal atingiu um máximo histórico em 2018.
Tendo estado à beira do abismo em 2011, é inegável que o país realizou progressos importantes. Todavia, os riscos e os desafios são de grande monta. Neste contexto, o que oferecem os programas dos partidos para as próximas eleições legislativas? Começo por olhar para as propostas em termos de finanças públicas e, de seguida, para as políticas para o crescimento económico.
Em relação às finanças públicas, o PS apresenta-se como o partido das contas certas. Acredita que esse é o melhor caminho para estarmos no pelotão da frente. Os dois primeiros objectivos enunciados no programa do PS são reduzir a dívida para menos de 100% do PIB e ter saldos primários superiores a 3% do PIB. Diria que são uma condição necessária, mas não suficiente. O quadro macroeconómico usado é fundamentalmente o do Programa de Estabilidade e Crescimento. Apresentado em Abril passado pelo governo, este Programa é mais optimista nas suas previsões de crescimento do que as principais instituições internacionais. Num partido que pretende afirmar a sua credibilidade em termos de finanças públicas, compreende-se a opção de não apresentar no seu programa eleitoral desvios significativos nas projecções para os próximos quatro anos.
O PS parece ter deixado de acreditar que há vida para além de défices orçamentais recorrentes. O país agradece. Coerente com a promessa de contas certas, não apresenta medidas de redução da carga fiscal. E os efeitos negativos da elevada carga fiscal são desvalorizados. As propostas de aumento da despesa com significado orçamental estão no investimento público. Mas sabemos da experiência da actual legislatura que podem ser revistas em baixa.
O PSD e o CDS, responsáveis pela consolidação das finanças públicas e pela recuperação da credibilidade internacional do país, conseguida com a ‘saída limpa’, prometem uma forte descida dos impostos sobre o rendimento, IRS e IRC. O CDS ambiciona, no prazo de seis anos, reduzir a taxa de IRC para 12,5%, como na Irlanda. Como Portugal não é a Irlanda, não se percebe bem a fixação deste objectivo. Estas propostas inserem-se numa estratégia mais alargada de estimular o investimento das empresas e entregar mais rendimento às famílias.
O PSD promete também uma descida no IVA sobre a electricidade. Neste caso, não se percebe a coerência desta medida com a visão do PSD para o país, colocando em causa o compromisso do partido com as contas certas, ou à moda do Porto, como Rui Rio gosta de dizer.
Se nos lembrarmos que em 2019 ainda teremos défice orçamental e que o peso da dívida pública continuará enorme, as propostas de descida de impostos do PSD e do CDS talvez tenham ido um pouco longe demais. E poderão pôr em causa um dos principais activos do PSD (e também do CDS), conquistado sob a direcção de Pedro Passos Coelho: o seu compromisso com finanças públicas sãs. As estratégias do PSD e do CDS entregaram de bandeja ao PS a bandeira das contas certas.
Dada a relevância que o BE tem assumido e poderá continuar a assumir na governação do país, convém referir que continua a apresentar-se como o partido da redistribuição de recursos, a favor dos funcionários públicos e dos pensionistas. Ao longo de mais de 100 páginas do seu programa, as empresas são referidas apenas no contexto de medidas de aumento da carga fiscal ou de nacionalizações. Na visão do BE, é para isso que as empresas basicamente servem: pagar impostos. E assim, na sua perspetiva, se poderá manter o Estado Social sustentável.
No outro extremo, temos as propostas da Iniciativa Liberal. O novo partido entende que o Estado asfixia os portugueses, devendo voltar a ocupar o lugar que tinha no século XIX. De acordo com este partido, quando esse fim for alcançado, surgirá um português novo: livre, criativo e amante do risco.
Em relação às propostas eleitorais dos partidos para o crescimento económico, o menu é também variado. As propostas do PS estão muito alinhadas com o Plano Nacional de Reformas, destacando-se, para além do investimento público em infraestruturas, a aposta em surfar a onda da 4ª revolução industrial, e a qualificação dos portugueses. Em todo o programa, perpassa a centralidade da intervenção do Estado, que tudo coordena e orienta. Espera-se o florescimento de uma nova economia sob os auspícios do Estado.
Ao invés, o PSD coloca o investimento das empresas e as exportações no centro do seu modelo de crescimento. Além da redução da carga fiscal, fazem parte desta estratégia a redução dos custos de contexto e a qualificação dos portugueses. Esta estratégia é em grande medida partilhada pelo CDS. A carga fiscal prejudica a competitividade da economia portuguesa. A taxa de IRC é das mais elevadas da União Europeia e as taxas de IRS também comparam de forma muito desfavorável com os nossos parceiros (e concorrentes). Reduzir os impostos sobre as empresas e trabalhadores pode favorecer a atração de investimento directo estrangeiro e a atração e fixação de trabalhadores qualificados.
Uma das propostas mais surpreendentes do PSD é a do aumento do salário mínimo num montante não inferior ao dos últimos cinco anos. O salário mínimo já abrange mais de 20% dos trabalhadores. Se os salários acima do salário mínimo não aumentarem de forma significativa, em breve temos o Estado a determinar a remuneração da maioria de trabalhadores. Talvez possa ser classificada como uma medida social democrata, mas pode não ser amiga do crescimento e do emprego.
Nas propostas do BE, à falta de crença no mercado corresponde uma crença sem limites na capacidade de gestão do Estado. O BE quer a nacionalização das empresas dos sectores estratégicos, como a banca, a REN, a EDP, a GALP. Como se um dos maiores buracos da banca portuguesa e onde as portas mais giraram entre público e privado não tivesse sido a Caixa Geral de Depósitos. E esquecem certamente as consequências da decisão da nacionalização do BPN.
A centralidade do Estado no programa de BE reflete-se também nas propostas para o aumento da poupança das famílias. O BE propõe que o Estado remunere mais generosamente certificados de aforro e produtos afins. Ou seja, pagaríamos todos dívida mais cara, logo mais impostos, para remunerar as poupanças das famílias…
O Partido Comunista Português mantém a sua aposta na colectivização dos meios de produção dos grandes capitalistas. Podemos ter empresas privadas, desde que não cresçam muito. E devemos prosseguir o desenvolvimento orgulhosamente sós.
Um dos problemas mais graves da economia portuguesa é o mau funcionamento dos mercados – como recentemente se viu com a acusação de cartelização da banca. O Estado é grande e continua fraco, vulnerável à captura por interesses privados. Mas, infelizmente, este é um tema que escapa às propostas do PS e do PSD e apenas ganha relevância no programa do CDS.
Os programas eleitorais apresentam uma variedade de propostas. Mas não devemos esperar grandes mudanças na governação na próxima legislatura. A verdade é que depois da devastação que a bancarrota do Governo de José Sócrates causou, os últimos anos foram bem melhores do que todos esperávamos. O PS percebeu melhor do que ninguém que os portugueses se darão por satisfeitos se continuarmos nesta rota de estabilidade. As propostas mais ousadas de descida de impostos do PSD e do CDS dificilmente se poderão implementar dado o peso da dívida, as pressões do lado da despesa e a incerteza em relação ao contexto macroeconómico. O mais provável é que continuemos a ser governados como habitualmente. Mas isso não nos protegerá duma crise futura, nem nos permitirá descolar da cauda da Europa.
PS: Inicio hoje a minha coluna semanal no Observador. Agradeço o convite do José Manuel Fernandes. Deixo aqui uma palavra de agradecimento ao António Costa do jornal ECO, onde fui escrevendo esporadicamente sobre temas económicos nos últimos anos.
Professor da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho