A 24 de fevereiro de 2022, o mundo mudou. Tal como na Guerra Fria, impende hoje sobre a União Europeia (UE) a ameaça militar da Rússia. Aquela data marca também o fim de três décadas de aproximação, e intensificação das trocas comerciais, entre UE e a Rússia. A UE em geral, e a Alemanha em particular, acreditou que a interdependência das trocas comerciais criaria um grande espaço económico e promoveria o desenvolvimento do território da ex-União Soviética.

No entanto, o princípio da racionalidade económica, subjacente àquela hipótese, não se verificou. Nas autocracias, outros valores se sobrepõem aos direitos e bem-estar económico dos cidadãos. A Alemanha, e uma parte significativa da Europa, enfrenta hoje a ameaça de um corte no fornecimento de gás russo, com riscos de disrupção para o funcionamento das empresas e custos elevados para as famílias.

Serão necessárias muitas décadas para que a confiança na Rússia se possa restabelecer. Uma nova cortina de ferro desceu sobre a Europa. É previsível que as tensões nas fronteiras do Leste desloquem o centro económico da Europa para ocidente.

As tensões, iniciadas em meados da década passada, entre os grandes blocos económicos mundiais devem acentuar-se. A guerra na Ucrânia e as disrupções nas cadeias de abastecimento globais, na sequência da pandemia Covid-19, vieram reforçar as pulsões para uma maior autonomia da Europa em áreas consideradas estratégicas. A construção em curso de fábricas de baterias e de semicondutores são dois exemplos da tentativa de recuperação da soberania tecnológica.

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É o início de uma nova era na Europa, com repercussões em todo o globo. E na economia portuguesa.

O segredo do sucesso dos países mais desenvolvidos está em compreenderem as implicações dessas mudanças e em adaptarem-se rapidamente aos novos contextos.

Será que estamos a perceber as implicações das mudanças decorrentes da guerra na Ucrânia para a UE e para Portugal? Será que estamos a perceber as mudanças que a reorganização das cadeias de valor globais em áreas estratégicas terá para a economia portuguesa? Será que vamos conseguir ajustar as políticas económicas ao novo contexto de modo a fortalecer a nossa competitividade e retomar uma trajetória de convergência económica?

Desde a década de 1990, os Governos de Portugal tiveram dificuldades em perceber as mudanças no mundo. Por conseguinte, as políticas nacionais foram em muitos casos erradas e desajustadas das necessidades das empresas.

Hoje, não é possível crescer num mundo que não percebemos.

Desde o início dos anos 90, a aceleração da globalização e a revolução das tecnologias de informação e comunicação mudaram a natureza e a importância do comércio internacional. Em vez de reforçar a sua competitividade externa e capacidade de atração de investimento direto estrangeiro, Portugal optou por estimular a procura interna à custa do endividamento do Estado, das empresas e das famílias, criando uma dívida externa que levou à crise das dívidas soberanas. Essa enorme dívida externa é ainda hoje o maior factor de risco para a economia portuguesa, nomeadamente no contexto da subida das taxas de juro.

No caso da adoção do euro, em 1999, as implicações para a economia portuguesa foram estudadas, discutidas e acordadas, tendo sido instituídas regras para a política orçamental na forma do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Portugal não só não percebeu as implicações que decorriam da entrada do euro para a condução da política orçamental, como foi o primeiro país a violar essas regras em 2001. Esta incompreensão saiu-nos muito cara.

Com o alargamento da UE aos países do Leste Europeu, e a entrada da China na Organização Mundial de Comércio, devíamos ter percebido que a nossa competitividade não se podia continuar a basear em baixos salários. Também só percebemos demasiado tarde que o aumento da escolaridade obrigatória para o 12º ano – em 2009 – é o mecanismo mais eficaz para reduzir o abandono escolar e, assim, obrigar as empresas a encontrar alternativas ao trabalho juvenil.

As mudanças em curso decorrentes da guerra na Ucrânia colocam questões sobre o funcionamento da UE e a soberania dos estados-membros. Que papel terá a UE na política de defesa? Que implicações resultarão daí para a soberania dos estados-membros? Quais as implicações do aumento da despesa em defesa para o equilíbrio orçamental dos estados-membros?

O fim do fornecimento do gás e do petróleo russo coloca questões sobre a transição para as energias de fontes renováveis. Que papel poderá ter Portugal nesse novo paradigma energético? Que vantagens competitivas pode Portugal ter nesse novo paradigma assente nas renováveis? Quais as vantagens (e desvantagens) de ser porta de entrada de navios de transporte de gás liquefeito?

Quais são as vantagens competitivas de Portugal no contexto da reconfiguração das cadeias globais de valor e no reforço da soberania estratégica da Europa? Portugal poderá ser competitivo sem ligações ferroviárias internacionais? Com o aumento dos preços dos combustíveis, das portagens e das taxas de carbono o transporte rodoviário para o centro da Europa será competitivo? No novo contexto, as nossas infraestruturas aeroportuárias e portuárias asseguram a competitividade da economia portuguesa?

Quais as consequências de todas estas mudanças na aplicação dos fundos europeus do Plano de Recuperação e Resiliência e do próximo Quadro Comunitário? É necessário fazer mudanças face ao que estava previsto?

Aos nossos governantes compete, em primeiro lugar, perceber as mudanças do mundo e as suas implicações para a economia portuguesa; em segundo lugar, criar as condições de competitividade para as empresas conseguirem aproveitar as oportunidades dos novos contextos.