O crescimento económico e o desenvolvimento humano desde a revolução industrial têm sido excecionais e exponenciais, mas assentes num “metabolismo” civilizacional voraz. No caminho para um aumento significativo da nossa qualidade de vida, criamos uma dependência energética insaciável: desenvolvimento = energia.
Infelizmente, e durante os últimos 150 anos, essa energia vem sobretudo de combustíveis fósseis. Temos então desenvolvimento = energia = queima de combustíveis fosseis = emissões de carbono = aquecimento global. Podem as economias de mercado sair desta encruzilhada? Como Fundador e Diretor Global do Laboratório de Sustentabilidade da BlackRock até recentemente, trabalhei afincadamente nesta questão.
A economia de mercado vigente na maior parte das sociedades ocidentais tem sido responsável por desenvolvimentos económicos, científicos e sociais consideráveis. Na base desse sistema está a noção de que as (micro) decisões individuais de milhões de agentes económicos levam a uma utilização óptima dos recursos disponíveis. Será que este princípio sobrevive às mudanças climáticas?
Para responder a esta questão, comecemos por analisar separadamente um tipo de decisões que estes agentes económicos tomam. Decisões que têm um impacto significativo nas pessoas que nela não estão envolvidas. Em economia este impacto – externalidade – é estudado pelo menos desde o século XIX. O problema com as externalidades é o desajuste entre o proveito (ou custo) económico privado e o benefício (ou custo) público. Este desajuste significa que nem todos os proveitos (ou custos) sociais são incorporados nas micro decisões dos agentes económicos, levando a uma escassez (ou excesso) de oferta dessa externalidade. Esse desajuste deve ser por isso regulado em nome da majoração do bem social. Note-se que as externalidades podem ser positivas – por exemplo, investigação de uma empresa que facilita o aparecimento de outros centros de investigação à sua volta – ou negativas – por exemplo, emissões de carbono que contribuem para o aquecimento global.
Importa salientar que as externalidades surgem pela separação entre o privado e o público e são parte integrante das economias de mercado. O capitalismo faz parte de uma construção social e depende de um enquadramento forte para florescer. Por isso, é materialmente importante para qualquer capitalista a regulação das externalidades e o fornecimento de bens públicos (como os casos da educação e da segurança). São o garante de uma sociedade próspera e equilibrada no longo prazo, e de um sistema económico assente na livre concorrência e no respeito pela propriedade privada.
Atualmente, as mudanças climáticas são talvez a externalidade mais urgente a resolver. Svante Arrhenius (1896), químico sueco, foi o primeiro a estabelecer a relação entre a concentração de carbono na atmosfera e a sua temperatura. Mais recentemente, as preocupações ambientais (alimentadas pelo problema da camada de ozono nos anos 80 e o desastre de Chernobyl em 1986) ganharam momento com a Cimeira da Terra da ONU no Rio de Janeiro em 1992. Há 30 anos que a comunidade científica, quase unanimemente, nos tem alertado para a necessidade de quebrar a ligação energia = emissões de carbono, de forma a evitar concentrações de carbono na atmosfera que levem a consequências irreparáveis, não para o planeta (este sobrevive sem problema!), mas para a vida humana na Terra, pelo menos como a conhecemos até agora. Nas últimas décadas, de forma geral, essas consequências não foram muito sentidas pela maioria da população mundial. Por isso os alertas foram ignorados e quase nada foi feito.
Desde 1850 já emitimos para atmosfera (sem contar com o que foi absorvido pela terra e pelo mar) 2600 giga toneladas (mil milhões de toneladas) de carbono. Mais emissões significam maior concentração de carbono na atmosfera, que retém calor e aumenta a temperatura. [No último milhão de anos, a média de concentração de carbono na atmosfera da terra foi de 200 ppm (partículas por milhão). O máximo estimado nesse período foi de 300 ppm. Hoje essa concentração é de 400 ppm e a tendência é de forte subida.]
O nosso budget de emissões adicionais para evitar ultrapassar os 1.5ºC de aquecimento face a 1850 (em concordância com o Acordo de Paris) é agora de apenas 275 giga toneladas. Ao ritmo atual de libertação de 40 giga toneladas por ano, temos budget para apenas uns meros 7 anos. A partir daí os 1.5ºC estão em perigo e as previsões são menos claras, mas não mais benignas. Os cientistas estão particularmente preocupados com a possibilidade real de atingirmos certos pontos de inflexão, que uma vez ultrapassados não são revertíveis (exemplos são o colapso da camada de gelo na Gronelândia, ou a libertação gigantesca de metano na tundra da Sibéria devido ao degelo).
Parece então que a externalidade criada pelo aumento do nosso nível de vida assente em combustíveis fosseis provoca uma externalidade com um preço social que começa agora a crescer significativamente e que não pode continuar a ser ignorado. Felizmente a teoria económica em que assenta a nossa sociedade tendencialmente liberal e capitalista dá-nos a resposta: temos de perceber o custo social desta externalidade e agir em conformidade (Pigou (1920) e Coase (1960)). Uma economia de mercado saudável obriga-nos a isso.
No combate aos efeitos das alterações climáticas há três áreas em que a ação se deve desenvolver.
Primeiro, temos de mudar grande parte do nosso sistema económico. Incentivar o engenho humano e a destruição criativa das economias de mercado serão talvez as medidas com maior impacto nas mudanças necessárias. O Inflation Reduction Act nos EUA ou o Green Deal na EU são bons exemplos desses incentivos. Quanto a este ponto, é importante referir que a transição energética está em curso, quer queiramos ou não. Os riscos e oportunidades dessa transição são significativos e vão afetar virtualmente todas as empresas em todos os setores de atividade. Quanto mais tarde as empresas reagirem, menos oportunidades têm e mais riscos vão enfrentar. Quem paga esta transição? Esta não é a pergunta chave: todos pagamos. Mas planear e executar uma transição credível e com sucesso é muito mais barato (poderá até ser uma fonte de vantagem competitiva) do que se ser reativo nesta matéria. A escolha é clara. Ter um consenso alargado e estabilidade quanto à política energética a seguir é fundamental para potenciar as oportunidades e minorar os custos desta transição.
Segundo, temos de ter uma política mais agressiva quanto ao preço do carbono. As externalidades são parte do nosso sistema económico, mas o custo social que impõem tem aumentado mais rapidamente que o seu preço nos mercados. Os sistemas de imposto às emissões ou de cap-and-trade (totalmente dentro da esfera de um bom capitalismo!), como o Emissions Trade System (ETS) na Europa, são um bom exemplo, mas ainda curto. O custo social do carbono não está ainda a ser totalmente internalizado pelas empresas. Ação urgente neste campo, com a internacionalização destes sistemas, aumento do preço de equilíbrio do carbono pela limitação das licenças e o fomento ao desenvolvimento de mercados voluntários credíveis são essenciais.
Terceiro, e porque infelizmente estamos a acordar para esta realidade tarde demais, será necessário promover a adaptação da nossa sociedade para as consequências inevitáveis das alterações climáticas. Elas já estão aí e manifestam-se com um atraso de décadas, pelo que o pior ainda está para vir, independentemente de agirmos já e de forma decisiva.
As sociedades liberais e assentes em economias de mercado são responsáveis por um aumento inimaginável do nível de vida das populações mundiais. Na génese desse sistema está um diálogo construtivo entre o privado e o público, na procura do melhor enquadramento social para libertar a criatividade humana. Lidar de forma clara com externalidades faz parte desse contrato. Está na hora de o atualizar no que diz respeito às mudanças climáticas. O impacto será provavelmente penoso (e inflacionista) no curto prazo, mas recompensador no longo. Ignorar as alterações necessárias não é opção. Os custos serão significativamente mais altos para as nossas sociedades e para a nossa vida na Terra. Se gerirmos bem a transição em curso o resultado será um planeta, uma sociedade e um capitalismo mais fortes. Potenciar este resultado é um dos grandes objetivos do Center for Sustainable Finance a lançar este mês na CATÓLICA-LISBON.