Moção de censura do Chega. A direita fica confusa e não sabe bem o que fazer. O PSD abstém-se. A IL vota a favor. O CDS, por uma vez, agradece não estar no Parlamento. O PS fica satisfeitíssimo. Poucas coisas agradam mais aos socialistas do que ver a direita confusa. É normal. A questão do título deste artigo foi colocada por Helena Matos e José Manuel Fernandes aos ouvintes da rádio Observador.

A decisão da IL é importante. Em primeiro lugar, resulta do reconhecimento do que os eleitores de direita não ignoram o Chega. Calculo que os dirigentes da IL fizeram as contas e chegaram à conclusão que seria mais penalizador eleitoralmente não ser tão crítico do governo como o Chega do que votar ao lado do partido de André Ventura. Isto significa que a IL reconhece que o Chega conquistou um lugar de destaque na direita.

Em segundo lugar, a IL mostrou pragmatismo político. Ninguém acredita que a IL passou a defender as propostas do Chega, que se tornou num partido contra a emigração, ou que defende políticas duras contra os ciganos. A IL percebeu que era do seu interesse político votar a favor a moção de censura do Chega. Chama-se pragmatismo político: o alinhamento numa questão importante com quem tem propostas políticas diferentes, algumas até opostas. Claro que a decisão da IL terá consequências políticas. No futuro, será mais difícil para a IL recusar entendimentos com o Chega se houver uma maioria de direita na Assembleia da República.

Primeira lição para o PSD: a IL passou a vida a dizer, incluindo aos sociais democratas, que nunca faria entendimentos com o Chega, e agora votou a favor de uma moção de censura de Ventura. Já o disse, mas repito. O PSD tem que combater o Chega, conquistar os seus eleitores, para reduzir o máximo que puder a sua força política, e no futuro, se necessário, negociar com Ventura a partir de uma posição de força. Mas não deve dizer que nunca fará entendimentos com o Chega. As linhas vermelhas aplicam-se a políticas e não a partidos. O PSD deve dizer, de um modo absolutamente claro, que um governo por si liderado nunca aplicará certas políticas. Não precisa de fazer mais do que isso.

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O PSD não pode dizer “nunca” a entendimentos com o Chega porque António Costa mudou as regras da política portuguesa com a geringonça. Depois de 2015, o PCP e o Bloco tornaram-se partidos de governo. O PSD não pode permitir que o PS destrua fronteiras à esquerda e construa fronteiras entre as direitas. Por isso quem diz que o PS deveria comprometer-se a apoiar um governo minoritário do PSD, para evitar coligações com o Chega, não vive em Portugal desde 2015. Se o PSD ganhar as eleições, mas com uma maioria de esquerda do parlamento, o PS governará com o apoio das esquerdas radicais. Se o PSD ganhar com uma maioria absoluta dos vários partidos de direita, o apoio do Chega é secundário. Nunca apoiará um governo socialista. Se o fizer, acaba como partido. E Ventura sabe, apesar das ameaças que faz.

Está na altura de os dirigentes do PSD entenderem um ponto essencial: quando o PS ataca o Chega, o alvo é o PSD. Os ataques ao Chega só têm um objectivo: impedir que o PSD regresse ao governo. Os dirigentes do PSD não podem ser aliados do PS contra o futuro do seu próprio partido. E deveriam pensar noutro cenário: se o PSD, até ao final da década, não liderar um governo, acabará como grande partido. Nenhum grande partido aguenta tanto tempo na oposição. As eleições de 2026 são decisivas para o futuro do PSD (e da democracia portuguesa). Os dirigentes do partido devem pensar muito bem nisso antes de fazerem garantias em relação ao Chega.

PS: Eu também tenho saudades dos tempos em que o CDS era o aliado do PSD à direita. Mas a política portuguesa mudou e os tempos agora são outros. Muitos dirigentes dos dois partidos, que se assustam com Ventura, deveriam ter pensado nisso quando pouco fizeram para evitar o aparecimento e o crescimento do Chega, e muito fizeram para quase destruir o CDS.