A premissa é simples: para que quer António Costa uma maioria absoluta em 2019? Dito de outra forma: com o PSD sem continuar a apresentar uma estratégia consistente de oposição, o PS ‘só’ pode ambicionar ter uma maioria absoluta em 2019. Mas para quê? Para Costa voltar a mostrar os seus dotes de político habilidoso que consegue terminar uma legislatura sem apresentar uma reforma, tendo como preocupação uma candidatura a sucessor de Marcelo Rebelo de Sousa? Ou para reformar, de facto, o país e promover a convergência económica com a União Europeia?

Se tivermos como referência os quase três anos de Governo, podemos dizer que a habilidade e Belém (não o país) é o que está no ADN e na mente de António Costa. Na realidade, Costa tem sido um verdadeiro Mr. Nice Guy — um “gajo porreiro” na linguagem socialista e não um sádico como o neo liberal Passos Coelho que colocou novos contra velhos e o privado contra a função pública.

É precisamente esta imagem de “gajo porreiro” habilidoso, que ficou agora em causa com o “não” às reinvidicações dos professores para contagem integral do tempo de serviço dos professores durantes os períodos de congelamento das carreiras (2005-2007 e 2011-2017). Afinal, o homem que repôs direitos laborais e aumentou os salários dos funcionários públicos, que combateu a precariedade, que impediu privatizações das empresas de transporte — enfim, o herói que acabou com a austeridade e colocou o país a crescer, afinal, é capaz de dizer “não” aos trabalhadores.

Ironia e sarcasmo à parte, esse “não” aos professores contrariou duas imagens essenciais ao marketing político de António Costa para esta legislatura:

  • a ideia de que a austeridade acabou. Como se não bastassem todas as cativações que têm promovido contingências diárias na saúde e no funcionamento geral da administração, afinal, também não há 600 milhões de euros para repôr os direitos dos professores;
  • e de que o PS é o partido que permite recuperar os direitos dos funcionários públicos.

Para um político habilidoso como António Costa, contudo, o seu marketing está em constante evolução. Costa sabe (como o PCP e o Bloco de Esquerda) que a aliança com a extrema-esquerda é meramente conjuntural porque é financeiramente e politicamente insustentável — independentemente das cativações e da falsa ideia de que a austeridade tinha acabado. A manutenção de Portugal no Euro, defendida pelo PS, com o controlo da dívida e do défice orçamental a isso obriga — aliás, a isso sempre obrigou.

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Este (lento) afastamento progressivo de António Costa dos seus parceiros da Geringonça acaba, assim, por não surpreender. Foi agora mais nítido na questão dos professores mas já tinham sido dados sinais de que o PS está num processo de recentramento em curso.

Não foi por acaso que o radical João Galamba saiu de porta-voz do partido — sendo substituído por uma moderada e discreta Maria Antónia Almeida Santos. Também não foi por acaso que Pedro Nuno Santos, o líder da ala esquerda de onde provém Galamba, sentiu necessidade de mostrar a sua força durante o Congresso do PS. A mediática criação do pedronunismo visa combater esse processo de recentramento.

Mas há um risco que António Costa está a correr. Perder os professores pode equivaler à hecatombe que o PSD de Passos Coelho teve com o tradicional voto conservador dos pensionistas a propósito das taxas de contribuição de solidariedade e da imaginária guerra de gerações inventada pela esquerda. Tal como os reformados eram o eleitorado natural do PSD, os professores e os restantes funcionários públicos também fazem parte do núcleo duro dos eleitores socialistas. Alienar eleitoralmente os professores e causar uma má impressão na função pública é o suficiente para dificultar uma maioria absoluta do PS.

Não é por acaso que o Público noticiava no domingo que o PS estava preocupado com as reações dos professores e que era fundamental apresentar um projeto para uma nova carreira dos no programa eleitoral para 2019. Chama-se a isso controlo de danos.

‘Segurar’ os professores vai ser assim o novo objetivo a curto prazo do PS e vai estar na origem de uma tensão que será cada vez mais crescente entre socialistas e PCP e Bloco.

António Costa pode não recear a rejeição do Orçamento de Estado (OE) para 2019 — até porque  PCP e o Bloco de Esquerda sabem que quem impedir a aprovação do OE vai ser prejudicado pelos eleitores, arriscando-se a ser uma espécie de PRD do atual primeiro-ministro. O seu foco, contudo, já está nas legislativas de 2019.

Voltemos ao início: qual o objetivo de uma maioria absoluta do PS de António Costa? Está por provar que seja para reformar o país — é o mínimo que se pode dizer neste momento. Serão precisos muitos mais “nãos” aos funcionários públicos em geral para impor alguma justiça social num país em que o PIB se mantém ao mesmo nível que 2010, num país em que os trabalhadores do setor privado não têm nem progressões automáticas nem tiveram ainda nenhuma reposição salarial que se compare com aquela assegurada pelo Governo da Geringonça entre 2015 e 2018.

É que a reformas das reformas (a do Estado) o PS de António Costa nunca a fará.