É hoje em dia indubitável que a poluição pode ter consequências dramáticas para a qualidade de vida das pessoas, tanto pelos efeitos diretos, por exemplo a qualidade do ar, como pelos efeitos indiretos, como são o aquecimento global e os fenómenos climáticos extremos que dele decorrem.

Exemplos disso são a vaga de calor este ano na américa do Norte, que se estima ser responsável por centenas de mortes prematuras, ou as cheias devastadoras na Alemanha, Holanda e Bélgica desta semana, que já mataram centenas de pessoas.

A poluição é uma externalidade negativa que resulta da ação humana, cujo custo não é incorporado como tal no preço dos produtos. Representa assim uma forma de subsídio à produção que distorce o mercado. Para além dos mais, é um custo que tem a particularidade de ultrapassar as fronteiras nacionais. Assim, um país que é altamente poluidor pode não ser o que mais sofre com a poluição que produz. Por todos estes motivos, faz sentido a intervenção do Estado e uma ação transnacional.

Foi para combater as alterações climáticas que esta semana a Comissão Europeia desvendou os planos para implementar o objetivo da lei climática aprovada em abril, de reduzir as emissões líquidas de carbono em 55% até 2030, face ao valor de 1990. O pacote compõe-se em 13 alterações legislativas que implicam objetivos diferenciados para cada Estado-membro, tendo em consideração o seu PIB per capita e incluindo medidas para aumentar a capacidade de captura de carbono através da floresta e para compensar as famílias e os Estados mais pobres. Mas o grosso do pacote destina-se a alargar o mercado de carbono a outras indústrias, tal como os transportes rodoviários.

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O caminho para atingir o objetivo com o qual todos concordaram está longe de ser pacífico. Existem três áreas de potencial conflito entre Estados-membros e entre os Estados-membros e as instituições europeias.

Na fiscalidade, uma área de competência dos Estados-membros, a Comissão propõe reformular a diretiva sobre os impostos energéticos, para reforçar os incentivos à neutralidade carbónica, reduzindo e até isentando de impostos as fontes de energia renováveis e aumentando os impostos e reduzir subsídios sobre energias mais poluentes. Por exemplo, a Comissão propõe aplicar um imposto mínimo sobre o combustível para a aviação e para a navegação, incluindo a pesca. Esta proposta poderá em alguns Estados-membros ser vista como uma interferência na sua soberania dos Estados-membros, e noutros como uma oportunidade para responsabilizar a União Europeia por medidas que os Governos desejariam tomar, mas para as quais não têm apoio político nacional.

No mercado de carbono (Emmissions Trading System), a Comissão propõe um mercado específico para edifícios e transportes terrestres. No mercado internacional, e para preservar a competitividade das empresas europeias, a Comissão propõe introduzir um imposto sobre os importadores de produtos com elevada pegada de carbono.

Apesar de existirem benefícios no médio/longo prazo em termos de criação de postos de trabalho e de qualidade de vida, também se deve reconhecer que a transição verde tem custos que podem ser regressivos, isto é, que afetam proporcionalmente mais as famílias e os Estados mais pobres. O mercado de carbono e as alterações fiscais podem aumentar os preços nacionais enquanto mecanismo de ajustamento deverá ter um impacto nos preços das importações. Para evitar esse efeito, a Comissão propõe criar um fundo social de 72,2 mil milhões de euros, financiado pelas receitas do mercado de carbono, para apoiar as famílias mais pobres e pequenas empresas nas renovações na compra de carros não poluentes e diretamente, por exemplo para compensar o aumento dos preços dos combustíveis.

O desenho das medidas de compensação tem de ser muito cuidadoso. Por um lado, deve servir para incentivar a transição climática e não apenas para compensar os custos adicionais. Por outro, deve ser suficientemente abrangente para evitar a penalização das famílias mais pobres e das micro-empresas. A experiência francesa dos coletes amarelos mostra que mudanças nesta área poderão motivar a insatisfação social. Para além disso, as medidas estão pensadas para as famílias e micro-empresas, mas é provável que as restantes empresas, especialmente pequenas e médias em setores mais poluentes, venham a encontrar dificuldades na transição, especialmente após dois anos (quem sabe mais) de incerteza causada pela pandemia.

A exigência do clima obriga a uma ação rápida e ousada, mas as consequências para os mais pobres e para a competitividade das empresas europeias exige cuidado no desenho das medidas e ponderação. É no equilíbrio destas necessidades contraditórias que será medido o sucesso da política climática da UE, e desta Comissão.