Um dos mitos que mais surge em conversas que tenho com jovens em início de carreira é o de que é preciso ser-se um super-herói para se ter uma carreira, filhos e família.

O mito da supermulher e do seu sistema de apoio

Ao longo dos últimos anos, principalmente desde que comecei a fazer mentoria, apercebi-me de que as jovens mulheres têm a ideia preconcebida de que o seu sucesso profissional terá sempre um limite traçado pela vida familiar. Entendo que é controverso dizer isto. Que há realidades diferentes, mas que isso não é verdade.

Não vou dizer que é fácil, porque não é, mas é possível ter-se sucesso no trabalho e uma vida familiar feliz, sem ser uma supermulher ou um super-herói.

Como exemplo, gosto de falar de três regras que funcionam comigo:

  1. Ter limites bem traçados e comunicá-los às equipas ajudou-me a reduzir mal-entendidos. Quem trabalha comigo sabe que o bem-estar das minhas filhas se sobrepõe a tudo. Seja um telefonema da escola, ou uma doença inesperada, a minha decisão está tomada. O facto de comunicar isto abertamente às pessoas que trabalham comigo permite-lhes saber como atuar quando isto acontece. A mim permite-me tomar decisões mais depressa.
  2. A minha definição de sucesso é minha e de acordo com os meus valores. A sociedade dita que o sucesso está ligado ao salário e ao cargo que se ocupa. Para mim, sucesso é ter um dia de trabalho desafiante e à noite poder jantar tranquilamente com a minha família. Ter a minha ideia de sucesso permitiu-me limitar o impacto de fatores externos importantes na minha vida.
  3. Desistir não é necessariamente mau! A meu ver, parar e pensar duas vezes para decidir o que fazer não é uma coisa má. Se dessa decisão resultar um rumo de vida melhor, então diria que foi uma boa ideia.

Sem quebrar urgentemente este mito, a desigualdade não poderá ser desafiada desde cedo; as gerações mais jovens vão continuar com a perceção de que o seu potencial está limitado.

A maioria das vezes que comento que sou casada, tenho duas filhas, e uma carreira de sucesso, assumem logo que tenho um sistema de apoio a 100%, que me liberta das responsabilidades familiares. Não consideram a hipótese de eu ter conseguido isso num mundo real, com esforço e dedicação; imediatamente o mérito vai para o sistema de apoio e não para mim!

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É como se uma mulher só tivesse duas opções: ser uma supermulher num extremo, ou ter apoio a 100% no outro. A maioria dos jovens não põe sequer a hipótese de se poder ter uma vida equilibrada, com sucesso profissional e com participação ativa no seio familiar. Será isto tão difícil de imaginar?

A ideia da perfeição, no caminho e no resultado, é uma ideia errada, causa mal-entendidos e desilusões que, de outra maneira, podiam ser evitados. Não há uma fórmula mágica que funcione para todos, mas repito, não é preciso ser-se um super-herói.

Aumentar o número de mulheres em cargos de direção não se soluciona simplesmente contratando mais mulheres. Soluciona-se mostrando que progresso é a única maneira de o fazer acontecer. Assumir logo à partida que é impossível candidatar-se a uma posição mais sénior porque se tem filhos é um erro. Acho urgente quebrar esse mito.

Como quebrar os mitos?

Como este mito da supermulher, existem outros.

Para os quebrar, temos de mostrar que não são reais e dar o exemplo. Há ferramentas como fóruns, sessões de mentoria, webinars, artigos e eventos nas faculdades.

Por favor, não tomem decisões com base em mitos ou porque alguém da empresa disse que nunca houve uma CEO mulher. Se decidirem não se candidatar porque logo de início não acreditam que são capazes, então quem vos está a minar são vocês, não a sociedade.

Por isso vão, candidatem-se, procurem outras oportunidades, usem as vossas capacidades ao máximo e tentem!

Mesmo que não resulte, sejam a voz da diferença e não mais uma estatística.

A quem alimenta estes mitos, deixem-se estar calados! Isto já é difícil o suficiente sem o vosso contributo; se não vão ajudar, então não compliquem mais.

Sara Almeida é consultora de gestão em Lisboa e conta com uma carreira de 18 anos, com passagens pela Nike e L’Oréal. Regressou de Barcelona em 2020 com a família, onde viveu 6 anos e onde consolidou a sua experiência em planeamento estratégico na Nike. Tem um MBA executivo, terminado em 2021 e focado em Liderança, Transformação e Negociação. É atualmente mentora de carreira em três projetos, entre eles a Portuguese Women in Tech, à qual se juntou em 2020 em busca de uma visão mais tech e cujo caminho passou por fazer parte do programa Future Female Founders.

O Observador associa-se à comunidade Portuguese Women in Tech para dar voz às mulheres que compõe o ecossistema tecnológico português. O artigo representa a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da comunidade.