Numa oferta de trabalho tida como competitiva, é cada vez maior o número de empresas que advoga um “equilíbrio” entre a vida profissional e pessoal. Embora seja louvável, esta ideia de que deve existir um balanço entre o trabalho e a esfera privada poderá estar a criar um equívoco: o de que devemos escolher uma dessas facetas da nossa vida em detrimento da outra; ou o de que os dois aspetos são, de algum modo, contraditórios. Considerando os estilos de vida atuais, há um conceito que julgo mais adequado. Refiro-me à “integração”.

Primeiro, é preciso esclarecer que a separação completa entre as horas dedicadas ao trabalho e o tempo focado na família, ou no lazer, poderá trazer benefícios claros. Permite uma atenção direcionada totalmente às tarefas que temos em mãos, quer seja no plano profissional, quer seja no domínio privado. Mas esta busca pelo balanço perfeito poderá potenciar o efeito oposto e criar obstáculos.

De facto, são ainda vários os profissionais que não conseguem desligar-se totalmente do trabalho após uma jornada laboral. Há tarefas que se arrastam para casa, ou há horas extra a cumprir para se ir ao encontro dos prazos necessários. Conflitos como estes criam uma dissonância castradora da saúde mental dos trabalhadores. Geram-se situações de stress e, quando prolongados no tempo, estes fatores originam problemas maiores, com destaque para o burnout.

Mas o atual contexto fala ainda mais alto. O trabalho remoto é uma realidade que vai tornar-se cada vez mais expressiva. Nós integramos – literalmente – o trabalho na nossa vida pessoal. Evidentemente, deve sempre haver uma divisão clara entre o local onde trabalhamos e o nosso espaço pessoal. O que proponho, contudo, é que as rotinas profissionais e de lazer não sejam contraditórias. Ao invés, devem ser harmonizadas. A palavra-chave é, saliento, “integração”. No fundo, quebram-se barreiras entre os dois horários e promove-se uma conjugação saudável, que nos permite dar resposta a tarefas do foro privado durante o período considerado “de trabalho”. De igual modo, temos a possibilidade de continuar afazeres profissionais fora desse horário tipicamente dedicado ao emprego.

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A flexibilidade é, como se entende, o grande benefício desta prática de trabalho para os colaboradores, que ganham a oportunidade de gerir o tempo e de estabelecer prioridades – quer no trabalho, quer em casa – com facilidade acrescida. Esta autonomia significa maior produtividade, comprometimento e, por inerência, um maior desempenho profissional. Ao mesmo tempo, favorece a disponibilidade que deve sempre existir para a família e para os amigos.

Para as empresas, os ganhos dão-se por duas vias: internamente, geram-se colaboradores mais dedicados, envolvidos e felizes – e, por consequência, combate-se o absentismo. Externamente, estas organizações beneficiam de uma imagem positiva e gozam de um perfil promotor da responsabilidade social. Para atrair e reter talento, este método é também uma opção mais vantajosa. A garantia de “equilíbrio” aos trabalhadores é indispensável, sim, mas a “integração” é um passo mais firme e diferenciador aos olhos de quem procura emprego.

Este ‘casamento’ entre vida e trabalho será mais ou menos viável de acordo com diferentes profissões, mas, no essencial, há uma base para a adoção desta metodologia: a cultura corporativa. O trabalho remoto é já uma política fundamental para levar aos colaboradores a liberdade de organizarem o tempo com autonomia, sem que estejam presos (pelo menos de um modo tão acentuado) ao “trabalho das nove às cinco”.

Mas é preciso ir mais longe. O sistema de avaliação das empresas deve privilegiar a gestão que cada colaborador faz das tarefas que tem em mãos e não o tempo dedicado em frente ao computador. Se um trabalhador precisar de parar o trabalho durante duas horas para ter clareza mental e cumprir metas com mais eficiência, há que abraçar essa necessidade. Tal como se abraça a vontade de quem começa a trabalhar às 07:30 e não às 09:00. Com autodisciplina e capacidade de organização por parte de todos, fomentam-se resultados positivos e solidificam-se relações com líderes e gestores.

Independentemente dos métodos implementados, a mensagem a reter é a de que o conflito entre estas duas forças na nossa vida deve ser combatido. Os horários de trabalho e a nossa rotina pessoal podem – e devem – coexistir. Não menos importante, esta partilha não pretende ser uma imposição. O foco está, sim, em deixar um desafio alternativo: arrisquemo-nos a procurar mais do que o equilíbrio.

Fundadora e CEO da Com.Passo Consulting

O Observador associa-se à comunidade Portuguese Women in Tech para dar voz às mulheres que compõe o ecossistema tecnológico português. O artigo representa a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da comunidade.