Até 2008 a política orçamental como ferramenta de estabilização dos ciclos económicos era relativamente negligenciada, em favor da política monetária. A razão principal prendia-se com a demora na implementação das medidas. Todo o processo político, legislativo e logístico fazia com que estas não fossem suficientemente expeditas para tornar a política orçamental eficaz.

Não obstante, após 2008 entrámos num período de taxas de juro anormalmente baixas, atingindo muitas vezes o chamado zero-lower-bound, uma situação em que as taxas de juro dos bancos centrais – a principal ferramenta de política monetária – atingiram valores próximos de zero, tornando a política monetária ineficaz e trazendo de volta a política orçamental para primeiro plano.

Era este o estado de coisas quando a pandemia da COVID-19 atirou a generalidade das economias para contrações económicas acentuadas e a resposta das instituições não se fez esperar. No contexto da União Europeia, foi anunciado o Next Generation EU, um instrumento temporário que foi desenhado para apoiar planos nacionais de recuperação da crise, usando o investimento como resposta política à crise, num valor global de cerca de 750 mil milhões de euros.

A magnitude das ajudas terá sido talvez alimentada por uma perceção positiva do sucesso das iniciativas institucionais de intervenção nas economias nas crises de 2008 e 2011. Mas a natureza da crise financeira e da crise de dívida soberana foi fundamentalmente diferente da crise pandémica. Ao contrário de 2008 e 2011, não tínhamos problemas estruturais nas economias que levassem a dolorosos períodos de reafetação de recursos como consequência de bolhas especulativas em determinados setores. O mundo viveu uma crise sanitária, não económica, pelo que, evitando-se a destruição de emprego e empresas por falta de liquidez momentânea, a recuperação adivinhava-se rápida. Tão rápida que aconteceu muito antes de os planos nacionais de recuperação e resiliência poderem ter tido qualquer contributo para isso.

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Os défices públicos record, monetizados pelo BCE, em conjunto com o aumento acentuado das poupanças por via do condicionamento social durante a pandemia, lançaram uma pressão sobre bens e serviços que as estruturas produtivas, ainda fragilizadas pelas restrições pandémicas, não conseguiram acompanhar, resultando nos maiores valores de inflação alguma vez registados desde a criação da moeda única. A resposta do BCE com a subida das taxas de juro visa precisamente retirar poder de compra a empresas, famílias e estados para que, aliviando a pressão sobre preços de bens e serviços, a inflação possa descer.

É precisamente neste contexto que, após o esperado complexo caminho da burocracia, assistimos à materialização dos investimentos previstos nos planos nacionais e que vêm completamente em contraciclo com o estado da economia, sendo mais um problema para o controlo da inflação do que o seu intuito original de um instrumento de recuperação de economias em crise. A rápida subida das taxas de inflação e de juro lançam dúvidas sobre a viabilidade económica de vários projetos financiados cuja complexa rede burocrática não permite a agilidade necessária para uma reafectação eficiente dos recursos em face da mudança de circunstâncias observada. Ao contribuir diretamente para a pressão sobre os preços e ao promover uma ineficiente afetação de recursos, corremos mais o risco que o NextGeneration EU possa ser a causa de inflação mais persistente e menor crescimento estrutural.

No caso do plano nacional português, os valores de entrada de capital previstos só são comparáveis à altura em que recebíamos ouro do Brasil. O valor a gastar em quatro anos é de €16,6 mil milhões, correspondendo, por ano, a uma injeção na economia de 1,7% do PIB – usando o PIB estimado para 2022 como referência. Mais, está neste momento a ser discutida uma proposta de reprogramação do PRR para €22,2 mil milhões, correspondente a 2,3% do PIB por ano – na prática bastante mais do que isso nos próximos anos porque muita da execução está a derrapar para o fim do prazo.

A dúvida que temos é qual a capacidade que o nosso país vai ter para absorver um choque de procura desta magnitude, quando estamos em níveis máximos de emprego. O problema é muito claro se pensarmos no impacto na indústria da construção. Cerca de dois terços do PRR destina-se a obras públicas e à construção ou reabilitação de edifícios. Quando as nossas construtoras estão a trabalhar em plena capacidade – experimentem pedir uma obra a algum empreiteiro… – como é que vão poder executar um volume adicional de obras tão grande? O efeito mais provável é vermos uma série de concursos públicos sem resposta e os preços a continuarem a subir.

Este resultado seria o pior de todos os mundos. Baixas taxas de execução do PRR e “crowding out” dos investimentos privados por via do aumento de custos.