Cada criança, cada jovem que se desliga da escola tem razões para isso e estão escritas na sua história. Poderiam ser lidas na sua biografia, por assim dizer, se o sistema estivesse preparado para individualizar o ensino. Infelizmente não está e como o abandono escolar, a desmotivação e o desinteresse não têm um padrão único, importa perceber as principais causas.
Cada caso é um caso, e no atual contexto digital as dificuldades multiplicam-se ficando ainda mais evidente o facto de o ensino à distância ser muito assimétrico e não estar a funcionar para todos da mesma maneira. Se nas aulas presenciais, com professores e alunos, é possível notar os deficits de atenção e captar os sinais de perturbação, no ensino à distância tudo fica mais difícil e vago. Também por isso se torna imperativo saber quem são e quantos são os alunos que correm o risco de ser deixados para trás.
A proximidade física é particularmente importante para os estudantes problemáticos ou desistentes, pois permite criar uma relação e estabelecer laços de confiança para agir em tempo útil e, se possível, corrigir desvios. Sempre que um aluno acha a escola irrelevante e a classifica como ‘uma seca’ age em conformidade com isso e dá provas do seu desinteresse. De formas mais ou menos agressivas e provocadoras, comunica que não gosta da escola e todos percebem, porque faz barulho, agita e ninguém pode ignorar porque todos veem e ouvem. No ensino presencial ninguém se pode esconder sistemática e silenciosamente atrás de um ecrã.
Quando estamos na presença física uns dos outros, muitos professores e escolas têm conseguido reverter situações difíceis e envolver os alunos precisamente por haver proximidade. Mais do que envolver, têm sido capazes de os resgatar. Com ou sem programas de educação alternativa chegam a resultados porventura inesperados justamente por personalizarem os métodos de ensino e aprendizagem, focando nas dificuldades de cada aluno, mas também por ser dado aos professores um forte apoio no sentido de serem mais criativos e poderem diversificar as matérias que ensinam, tornando-as mais abrangentes e ligadas aos interesses, talentos e competências dos alunos que muitos rotulariam como ‘causas perdidas’.
Sempre que a escola percebe que a sua missão não é ser apenas um sistema de transmissão de matérias, mas antes uma cadeia que junta muitos elos desiguais, todos eles vocacionados para orientar, estimular, provocar e desafiar o interesse por aprender e saber mais, estamos perante uma verdadeira escola no sentido mais profundo e elevado do termo. Vale a pena lembrar a célebre Escola da Ponte, mas não só, pois há cada vez mais institutos nacionais a individualizar o processo de aprendizagem, a investir nos professores e a gerir com liberdade os métodos de ensino que provam ser mais eficazes.
Dizer que o papel do professor é, acima de tudo, facilitar a aprendizagem ainda pode soar a utopia, mas as realidades de muitas comunidades de ensino espalhadas por todo o mundo provam que é possível. Basta apostarem apenas num objetivo: que as pessoas aprendam. Sejam alunos ou professores, diretores ou tutores, a missão é comum, pois todos aprendem uns com os outros. O tempo em que os professores ensinavam e os alunos (supostamente) aprendiam já era.
Podemos ter os melhores professores do mundo a dar matérias extraordinariamente relevantes numa sala de aula, mas se os alunos não aprendem, não podemos falar de verdadeira educação. E se isto já era verdade quando podíamos estar uns com os outros no mesmo espaço, tornou-se ainda mais gritante agora, que nem os professores nem os alunos estão fisicamente presentes.
Os estragos provocados pelo abandono escolar são dramáticos. Se a educação retrocede, toda a sociedade perde. Pior ainda se, numa altura em que o salto tecnológico é gigante e as oportunidades se multiplicam, forem deixadas mais pessoas para trás. Se assim for, o sistema de ensino entrará rapidamente em falência.
Basta descer ao concreto e pensar em dificuldades aparentemente muito pequenas, mas extraordinariamente tangíveis, para perceber melhor a realidade dos que podem estar a perder este comboio. Uma criança disléxica aprende bem sozinha, de frente para um ecrã? Um jovem com cáries e dores de dentes porque a família é pobre e não o pode levar ao dentista é capaz de se concentrar? Os filhos de pais separados, que vivem entre casas diferentes (muitas vezes também entre desavenças sem fim) têm capacidade de foco e autonomia para estudarem sozinhos, sobretudo quando estão debaixo de fogo ou são, eles próprios, usados como armas de arremesso contra os ‘ex’? Um jovem deprimido consegue acordar de manhã para se ligar e manter ligado a uma escola virtual? As questões são tantas quantos os alunos atingidos por estas e outras realidades, ou seja, é escusado tentar fazer um enunciado completo porque seria exaustivo e não abarcaria todos os casos.
Na Finlândia dizem que não há abandono escolar e os especialistas finlandeses em educação explicam porquê: “se as pessoas têm problemas, chegamos a elas rapidamente, ajudamos no que podemos e procuramos apoios na comunidade”. Claro que podemos argumentar que os finlandeses são apenas 5 milhões, mas aquilo que se aplica a um país com metade dos habitantes de Portugal, pode ser seguramente escalado aqui.
O caso finlandês vem descrito em livros e estudos que podem ser consultados, mas resumido de uma forma grosseira explica-se através de vários sistemas de apoio que são criados para apoiar os alunos desmotivados ou problemáticos. A estratégia passa por encontrar professores e tutores que não desistem dos alunos nem os deixam desistir de si próprios. Profissionais competentes, experientes, que inspiram confiança e reforçam a autoconfiança dos jovens, mas também os ajudam a identificar os seus dons inatos, sem os reduzirem a um sistema que normaliza as competências e valoriza acima de tudo matérias que nada dizem a estes jovens. Pessoas que, no fundo, agem como agiriam os bons pais com os seus próprios filhos. Pais que sabem que cada filho é diferente, pais que não confundem as naturezas e inclinações naturais de cada um, pais que orientam e apoiam, que têm autoridade sem terem que ser autoritários, que são firmes no seu amor e não reduzem os filhos às suas notas.
Hoje é dia de debater o tema escola aqui no Observador. Às 18.30 estaremos em direto, a falar sobre a eficácia do ensino e da aprendizagem digital. Trata-se da segunda de uma série de 6 conversas mensais sobre o que faz de uma escola, a melhor do mundo. Hoje o foco será posto na imperiosa urgência de não deixar ninguém para trás, num tempo em que muito está a correr fabulosamente bem, mas também muita coisa não está a funcionar. Hoje mais do que nunca não podemos desistir e deitar a toalha ao chão. Sabemos que sempre que viramos as costas às dificuldades, elas se multiplicam. E, se assim é, não podemos deixar de olhar a realidade do abandono escolar de frente, sob pena de o problema não se resolver e a quantidade de alunos deixados para trás aumentar.