No início, a cada atentado proliferavam os Je suis. Depois os atentados passaram a incidentes e os Je suis tornaram-se ninguém. A emoção deu lugar ao medo. Agora chegou a barbárie. No desacerto crónico que mantêm com a cronologia alheia, os terroristas islâmicos atacam agora nas catedrais. Ignoram que a Igreja passou a ONG e as catedrais a destino turístico. O Ocidente simbolizado pelas catedrais já não acredita sequer em si mesmo e é até com estupefacção que constata que, neste ano de 2020, algumas pessoas, numa manhã de Outubro rezavam dentro da catedral de Nice. Ainda se estivessem numa acção de promoção do diálogo inter-religioso, dessas em cuja escassez o bispo do Porto encontra a explicação para as acções do terrorista de Nice, compreendia-se essa necessidade de recolhimento. Mas simplesmente a rezar, às 9 horas da manhã, numa catedral católica… que embaraço!
Em Junho, o Papa Francisco telefonou ao bispo de El Paso, Mark Seitz, para lhe agradecer por este ter feito uma homenagem a George Floyd juntamente com alguns padres da sua diocese. Será que o Papa Francisco telefonará a agradecer a algum bispo que em França ajoelhe, empunhando um cartaz onde se leia “A vida dos cristão conta”, durante os minutos que Simone, Nadine e Vincent demoraram a morrer? Ou isso seria de imediato apontado como populismo e exploração própria de extremistas? Aliás, começamos logo por não saber quantos minutos estiveram a tentar respirar Nadine Devillers, Vincent Loquès e Simone Barreto Silva. Os seus próprios nomes e rostos mal são conhecidos à excepção dos de Simone Barreto Silva: o facto de, já ferida, ter procurado refúgio num restaurante onde pediu “Digam aos meus filhos que gosto deles” levou a que não ficasse anónima, como aconteceu a Nadine que acabou sumariamente descrita como “uma fiel de 60 anos”. Contudo Simone era negra mas para que a sua morte gerasse indignação e cartazes onde se dissesse que a sua vida importava, Simone deveria ter sido degolada por um europeu cristão e branco e não por um tunisino muçulmano. Para mais Simone estava numa igreja católica. Não era migrante nem refugiada. Era essa coisa fora de moda chamada emigrante. Em França procurou trabalho. Tomava conta de idosos.
A despersonificação é uma das regras que paulatinamente nos foi imposta quando os autores dos atentados contam com a compreensão da esquerda: os atentados praticados em nome do Islão passaram a incidentes em que as vítimas morrem em consequência de esfaqueamentos. Realizados por quem? Pelas facas, claro. Pois se das vítimas destes atentados pouco se sabe, dos terroristas ainda menos, tanto mais que em muitos casos foram imediatamente apresentados como desequilibrados ou lobos solitários.
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