Que simpáticas as pessoas da geringonça. Estão preocupados connosco, com a possibilidade que cansemos os neurónios com inutilidades, em vez de nos dedicarmos ao planeamento dos eventos essenciais da vida como organizar um fim de semana romântico, lanchar à beira rio (qualquer um deste país) com a filharada ou entreter-nos com a literatura de Bob Dylan.

Mesmo depois destas tarefas ciclópias concluídas, a querida geringonça espera que nos deliciemos com uma paixão pela ornitologia, nos entreguemos à escrita de um ensaio com 900.000 caracteres sobre as iluminuras medievais, ou ao humor nas redes sociais aventando que obras clássicas poderão ter sido, afinal, escritas também por José Sócrates, na incarnação atual ou em alguma das anteriores (certamente o seu inegável talento para a escrita acompanha-o há vários ciclos de vida).

Bom, mas a prestável geringonça não nos quer maçar com assuntos comezinhos e irrelevantes. Na verdade, anda a especializar-se em dar assuntos por ‘encerrados’, naquele tom autoritário e definitivo que eu uso para proibir os meus filhos de usarem o ipad ou para os ameaçar de privação de presentes de Natal se persistirem em algum mau comportamento. Evidentemente as pessoas da geringonça têm-nos no coração como se fôssemos os seus rebentos, carne da sua carne e etc.

E o que dá por ‘encerrado’ a geringonça? Escândalos que alguma malvada comunicação social e a sempre aleivosa oposição inventam. Santos Silva deu por encerrado o caso das viagens pagas pela Galp a Rocha Andrade, e agora o BE também já informou que o caso das licenciaturas falsas de um chefe de gabinete do secretário de Estado da Educação está encerrado. E ai de nós se discordarmos. Ainda apanhamos mais umas décimas de impostos sobre os combustíveis se não formos dóceis e obedientes.

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Há quem se escandalize pela sobranceria destes encerramentos compulsivos. Neste caso das licenciaturas falsas, por exemplo, pessoas miudinhas (e sem gosto pelas distrações ornitológicas preferidas pela geringonça) podem argumentar que há muito por explicar. Se Nuno Félix foi uma escolha do ministro Tiago Brandão Rodrigues, amigo próximo, independentemente de este saber ou não da mentira da nota biográfica, o ministro não é responsabilizado por escolher (e voltar a escolher) uma pessoa capaz de mentir sobre o seu percurso académico? Já não se avaliam os governantes pela qualidade das pessoas que escolhem recrutar?

Lembrando o motorista – teimariam os tais picuinhas –, não será um ministro politicamente responsável pela rebaldaria, inclusive financeira, de viagens diárias de quatrocentos quilómetros para transportar um chefe de gabinete de casa para o trabalho? Claro que não. Vamos agora submeter a geringonça a esse tipo de escrutínio? Pensam que estão a lidar com um governo de direita?

Já agora: que dizer da participação do escolhido por TBR no blogue Câmara Corporativa, o tal das avenças generosas de Sócrates, por portas travessas, para defender o primeiro-ministro e atacar (de forma vil e reles) os seus críticos? Não passa nada? De resto, se um blogger do Câmara Corporativa trabalha com Fernando Medina, outro trabalhou com o ministro da Educação, quantos mais bloggers desta espelunca blogosférica trabalham para o governo PS? E quantos foram assessores (como Nuno Félix) nos governos Sócrates? É que das palavras do ex-assessor de TBR percebe-se que várias pessoas, além de António Peixoto, escreviam no Câmara Corporativa. Quem eram? Onde estão agora? Receberam recompensa?

Mais uma: nessa altura fazia parte das tarefas (pagas pelos contribuintes) de Nuno Félix (e quiçá outros) defender na blogosfera o PS e atacar opositores? E outra: não é melhor investigar a fundo se a tasca anónima das redes sociais, que dá pelo nome de Os Truques, não tem assessores do governo nem avençados? Só para ficarmos descansados?

Mas isto são questões de pessoas desorientadas que preferem entreter-se com minudências governativas em vez das peculiaridades do voo do Falco columbarius. Por mim declaro-me feliz com estes encerramentos abruptos de casos por explicar. Sempre permitem à geringonça sentir-se mais confiante – desde logo porque se julga acima do escrutínio que é aplicado (e bem) à direita quando governa – e dirigir-se em alta velocidade ao próximo escândalo, a ser também encerrado compulsivamente sem as explicações devidas.

E chegará o dia em que o copo enche e é despejado em cima da geringonça. Sucede sempre assim. Há quem se espante com a complacência dos eleitores com o governo, inclusive com a sua versão aditivada de austeridade. Mas o anterior governo também teve igual benevolência, aumentou impostos a um país que permaneceu alegre. Até à inacreditável proposta da TSU. A geringonça também terá o seu momento de estilhaços, e será tanto mais rápido quanto mais confiarem na proteção da sua flamejante aura de esquerda. Com austeridade, sem crescimento e com a acumulação de casos que o sentimento de dono do regime potencia no PS, nada protegerá então a geringonça do escárnio dos eleitores.

Como avisou Helen Mirren no filme A Rainha a um Tony Blair cheio de si, a queda virá ‘muito subitamente e sem aviso’. E será merecida.