A excelente revista semanal britânica The Economist acaba de publicar um magnífico estudo e um Editorial sobre aquilo que designa (e é título da capa) “The global crisis in Conservatism”. Pessoalmente, discordo do argumento em alguns aspectos relevantes; mas concordo com muito do que é fundamental; e, sobretudo, o tema é absolutamente central no panorama político e intelectual que vivemos actualmente. Merece por isso uma demorada reflexão e conversação a várias vozes.

Pela minha parte, gostaria de começar por aquilo que subscrevo. Antes de mais, e acima de tudo, concordo inteiramente com — e saúdo — a referência central a Michael Oakeshott e Edmund Burke como filósofos cruciais do conservadorismo liberal. Tenho aliás o gosto de registar que a próxima conferência da académica  “Michael Oakeshott Association” terá lugar em Lisboa, de 19 a 21 de Setembro, no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica.

Creio também que The Economist enumera correctamente algumas das principais características do conservadorismo liberal de Burke e Oakeshott. E creio que as contrasta certeiramente com algumas das preocupantes características de um novo tipo de “conservadorismo” — que The Economist designa por “nova direita reaccionária” — emergente na cena política euro-americana actual. Também concordo que essas diferenças são em boa parte as mesmas que distinguiram no passado o conservadorismo liberal anglo-americano do reaccionarismo dogmático continental — um aspecto crucial basicamente ignorado pelos agitadores da “nova direita”.

Creio ser verdade que, onde o velho conservadorismo era pragmático, a “nova direita” é ideológica e dogmática. Também me parece adequado dizer que, onde o velho conservadorismo era prudente e céptico relativamente à mudança, a “nova direita” tende a adoptar uma linguagem revolucionária. Onde o velho conservadorismo era enfático sobe a importância do carácter e das boas maneiras, a “nova direita” prefere o carisma e o culto do líder. Em tudo isto, concordo com The Economist.

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Mas receio ter de observar que The Economist esquece aquilo que Oakeshott designou como o aspecto crucial da disposição conservadora liberal: a disposição para usufruir o presente, sobretudo a disposição para usufruir um modo de vida que é de cada um, que não foi desenhado, muito menos imposto, centralmente por ninguém. É um modo de vida que herdámos dos nossos antepassados e em que nos sentimos confortáveis. E que certamente poderemos modificar gradualmente para tentar torná-lo mais confortável (para nós e desejavelmente para os nossos descendentes). Mas, precisamente devido a esta disposição crucial para usufruir e para evoluir gradualmente, em caso algum o conservador liberal Oakeshottiano ou Burkeano aceitará que o seu modo de vida seja centralmente re-desenhado por uma qualquer autoridade central (sobretudo não eleita, mas com severos limites mesmo nas eleitas).

Aqui chegamos a um ponto absolutamente crucial que The Economist simplesmente ignora: estamos a assistir, nas democracias ocidentais, a uma ofensiva politicamente correcta contra os modos de vida tradicionais e descentralizados de uma boa parte das pessoas comuns, os “pequenos pelotões” de que falava Burke. Ao contrário do que vocifera a “nova direita”, não creio que essa ofensiva seja centralmente dirigida por uma conspiração das “elites”. Mas é seguramente permitida, quando não activamente estimulada, por autoridades centrais, sobretudo não eleitas, que multiplicam directivas sobre como as pessoas, as famílias, as escolas e outras instituições da sociedade civil devem comportar-se “correctamente”.

Isto significa que, diferentemente do que observa The Economist, existem razões conservadoras liberais para o mal estar de sectores crescentes dos eleitorados europeus e americanos. Só que os conservadores liberais não estão a saber dar voz a esse mal estar (talvez estejam demasiado preocupados em serem reconhecidos pela dominante ortodoxia politicamente correcta e pelos chamados Mainstream Media, MSM). Esta é a razão pela qual os eleitorados se deslocam para a “nova direita reaccionária” — que até há poucos anos era praticamente irrelevante. A isto venho chamando, para retomar um conceito caro ao liberal anti-jacobino Ralf Dahrendorf, a “dicotomia infeliz entre vanguardismo e populismo”.

Se este meu diagnóstico for ao menos parcialmente pertinente, a solução conservadora liberal será bastante simples: retomar a central preocupação de Burke e Oakeshott com a protecção dos modos de vida descentralizados dos “pequenos pelotões”, que não querem ser centralmente dirigidos. Nesta preocupação, uma grande área de entendimento pode ser encontrada com a tradição liberal não-jacobina de John Stuart Mill e Walter Bagehot (que foi director de The Economist) — desde que esta esteja disponível para se libertar da tóxica dependência da ortodoxia politicamente correcta.

E aqui surgirá também a grande diferença entre a proposta do velho conservadorismo liberal e a actual “agitação e propaganda” da “nova direita reaccionária”. Ao contrário desta “nova direita”, os conservadores liberais não querem que as instituições estatais adoptem a propaganda dos seus modos de vida tradicionais no lugar agora ocupado pela propaganda da ortodoxia politicamente correcta. Os conservadores liberais querem basicamente (como sempre basicamente quiseram), que os deixem em paz — the right to be left alone, ou mind your own business, como se dizia nos bons velhos tempos de Burke e Oakeshott.

Trata-se, basicamente, de fazer recuar a intromissão do Estado nas áreas que não lhe dizem respeito. Trata-se de “libertar a sociedade civil”, para retomar uma expressão feliz — mas infelizmente esquecida. Teremos de voltar a este assunto.