Num artigo de opinião, publicado a 4 de outubro pelo Observador, intitulado “Paço de Sintra”, são proferidas falsas acusações relativas às alterações museológicas no Palácio Nacional de Sintra, que colocam em causa o bom nome e o profissionalismo de todos os que, nos últimos anos, têm dedicado a sua vida à defesa e salvaguarda do património histórico na Paisagem Cultural de Sintra.

Não pretendo perder tempo com estados de alma ou considerações sobre as motivações que podem levar alguém a caluniar o trabalho de colegas, sem ter a precaução prévia de tentar obter esclarecimentos. Não é esse o meu papel. Irei cingir-me aos factos, num esclarecimento em três pontos.

1 A esmagadora maioria dos objetos do Palácio Nacional de Sintra mantém-se exposta ao público.

A revisão da museografia do palácio, iniciada em 2019, motivou a reorganização de toda a narrativa expositiva, o que se traduziu, naturalmente, na alteração da localização dos objetos. Quase todos os objetos enunciados, no artigo publicado, continuam expostos ao público.

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Os objetos que já não estão expostos não desapareceram. Foram, sim, colocados em reserva, ou seja, em espaços que, como na grande maioria dos museus, não estão abertos à visita do público.

Os objetos estão inventariados e acessíveis ao público na plataforma das coleções dos museus nacionais MatrizNet. Contrariamente ao que acontecia no passado e fruto do meticuloso trabalho desenvolvido nos últimos anos, há agora um rasto profissional destes objetos, que se mantêm todos no Palácio Nacional de Sintra, com exceção de dois, em depósito noutras instituições museológicas.

É, portanto, falsa a acusação de que os objetos tenham desaparecido, assim como é injuriosa a insinuação de que as peças tenham sido dispersas e colocadas no mercado de antiguidades.

2 Existem mais objetos em exposição em 2023 do que existiam em 2019.

Em 2020, foram abertos ao público, pela primeira vez desde a década de 1990, os aposentos da rainha D. Maria Pia. Esta abertura permitiu num acréscimo de 80 objetos expostos, que até então se encontravam em reserva.

Em 2021, a nova museografia do Camarim resultou na exposição de 45 peças em vez das 25 anteriores. Na Sala das Galés, expôs-se a totalidade da coleção de pratos ditos hispano-árabes, passando de 30 exemplares para 64. Foi ainda possível, pela primeira vez, expor uma amostra da coleção de azulejos do palácio, que se traduziu num acréscimo suplementar de 90 objetos expostos.

Em 2022, foram expostos no Corredor da Sala dos Brasões 30 objetos, em vez dos 12 que lá se encontravam anteriormente.

3 A nova museografia é o resultado de quatro anos de investigação histórica e de diálogo com a comunidade científica.

A revisão da museografia do Palácio Nacional de Sintra teve início em 2019. Este foi um processo iniciado com o convite a um grupo de dez especialistas para refletir conjuntamente sobre a museografia do palácio. Pretendia-se definir estratégias para o desenvolvimento de um novo plano museográfico.

Este grupo de especialistas era composto por vários historiadores com especialidades diversas (história social, história da arquitetura, história medieval, moderna e contemporânea), um museólogo, uma socióloga e dois representantes do Palácio Nacional de Sintra (com especialidade em arquitetura e cultura material).

O trabalho foi desenvolvido ao longo de 18 meses, entre setembro de 2019 e março de 2021, tendo originado um encontro de dois dias no Palácio Nacional de Sintra, em fevereiro de 2020, do qual resultou um conjunto de textos individuais com recomendações estratégicas.

A nova museografia do Palácio Nacional de Sintra foi assim definida com base nesta profícua colaboração entre a Parques de Sintra e a comunidade científica, a mesma metodologia de colaboração que tem levado a Parques de Sintra a participar em projetos de investigação internacionais, que têm colocado o Palácio Nacional de Sintra em contacto com outros casos equivalentes na Europa, como é exemplo o projeto PALAMUSTO.

Nunca a museografia de um palácio nacional, em Portugal, tinha beneficiado de um trabalho preparatório com a densidade teórica, historiográfica e reflexiva como aquele que foi desenvolvido para o Paço de Sintra.

Na nova museografia, que organiza o palácio em núcleos temáticos, foram colocados painéis explicativos para cada um desses núcleos. Existem também painéis com explicações sobre todas as salas ao longo do percurso de visita. A informação sobre as peças, por ser demasiado extensa, pode ser consultada através da leitura de códigos QR nesses mesmos painéis. Existe também um áudio-guia com textos mais aprofundados e, para aqueles que não podem visitar o palácio fisicamente, a Parques de Sintra desenvolveu uma visita virtual 360º que está disponível através do site da Parques de Sintra (link visita 360º).

Por fim, são falsas as acusações de que não houve qualquer “explicação do que se passou” no Palácio Nacional de Sintra e de que “em Sintra tudo desapareceu sem deixar vestígios…”:  a Parques de Sintra divulga junto dos meios de comunicação social todas as alterações à museografia, como se pode facilmente constatar na notícia publicada pelo Observador em dezembro de 2022, intitulado “Desvendado o enigma com 200 anos da Sala dos Árabes do Palácio de Sintra. Mas ainda há outros mistérios na capela e ala das rainhas”.

No site institucional da Parques de Sintra, é também possível consultar variadíssimas informações sobre este assunto, como é exemplo a publicação intitulada “Palácio Nacional de Sintra identifica única galeria do século XVI conhecida em Portugal”.

A Parques de Sintra realiza ainda, anualmente, ações de formação com mais de 400 profissionais de turismo para que o público esteja a par de todas as ações museológicas, potencializando assim a sua riqueza histórica.

Todo o trabalho de revisão museográfica foi também apresentado numa publicação no Boletim ICOM Portugal, Série III, n.º16, Julho 2021 ICOM em 2021, para o qual recomendamos vivamente a leitura.

As acusações de barbaridade, de atentado e de crime constituem uma grave ofensa ao trabalho realizado pela Parques de Sintra e à sua missão de salvaguarda e valorização do património histórico.

Reconhecemos que, depois de oito décadas sem uma reflexão sobre a museografia do Palácio Nacional de Sintra, as alterações ocorridas possam parecer significativas, mas um palácio é um organismo vivo que deve acompanhar os desenvolvimentos teóricos, historiográficos e museológicos do seu tempo. É pena que o Paço de Sintra tenha esperado tanto tempo para ter a atualização há tanto devida.

Por fim – e de forma refutar e esclarecer afirmações e insinuações do Professor Luís Filipe Thomaz –, disponibilizamos a lista das movimentações recentes dos objetos no Palácio Nacional de Sintra:

Na Sala dos Cisnes, uma das duas mesas que lá se encontrava no final da década de 1980 está hoje exposta da Casa do Conselho, a outra está na Reserva Museológica. As porcelanas podem ser vistas na Guarda-roupa e na Sala das Galés. Os “aparadores”, que na verdade eram catorze peças de mobiliário distintas (arcas, bufetes, armários-louceiros e armários de roupa), foram redistribuídos pela Guarda-roupa, Camarim, Sala das Galés, e Câmaras de D. João III. Apenas três foram deslocados para a Reserva Museológica. O retrato dito de D. Sebastião (na verdade, do Infante Carlos de Habsburgo) está exposto no Corredor da Sala dos Brasões.

Na Sala das Pegas, os contadores hispano-árabes foram transferidos para a Guarda-roupa e Camarim.

Os contadores indo-portugueses da dita Sala das Sereias (atualmente, Guarda-roupa) estão expostos na Sala das Galés. Os restantes encontram-se na Reserva Museológica a aguardar para serem integrados na futura museografia dos aposentos das Rainhas.

Na dita Casa de Trinchar (atualmente, Camarim), a tapeçaria de Bruxelas, com as armas do Rei D. Manuel I, pode agora ser admirada no Corredor da Sala dos Brasões, junto com outros objetos com representações heráldicas. A tapeçaria encontra-se, agora, numa vitrina que lhe dá a proteção necessária, por ser um objeto frágil do século XVI. As colchas indianas foram quase todas transferidas para a Reserva Museológica por motivos de conservação. Os contadores e móveis indo-portugueses que não se mantêm no mesmo espaço encontram-se na Reserva Museológica a aguardar para serem integrados na futura museografia dos aposentos das Rainhas.

Da Sala das Galés, as arcas estão hoje expostas na Guarda-Roupa, no Camarim, e nas Câmaras de D. João III. Os retratos estão todos expostos no Camarim e nas Câmaras de D. João III. As louças continuam também todas em exposição na mesma sala.

A mesa da Sala dos Brasões foi transferida para a Casa do Cabido da Sé do Porto, local onde foi construída por volta de 1722-1723 e cuja ausência afetava negativamente a Sala Capitular daquele edifício. A devolução da mesa não só reparou um grave erro histórico (link notícia), como foi premiada pela Associação Portuguesa de Museologia (link notícia). As cadeiras estão atualmente na Reserva Museológica.

Quanto ao pagode de marfim, não temos qualquer informação de que tenha sido uma oferta a D. João VI pela Cidade de Macau, mas sim de que pertenceu a D. Carlota Joaquina, pelo que foi transferido para o Palácio Nacional de Queluz, onde encontra um melhor contexto explicativo (link notícia). As restantes peças foram transferidas para a Reserva Museológica para que a sala possa receber brevemente nova museografia dedicada aos aposentos das rainhas de Portugal

No dito Quarto dos Hóspedes (atualmente Casa do Conselho), a museografia não tinha qualquer fundamento histórico, pelo que os objetos foram transferidos para a Reserva Museológica até encontrarem um melhor contexto explicativo. Atualmente a museografia desta sala evoca as funções de Casa do Conselho de Estado e da Casa da Suplicação.

Sintra, 6 de outubro de 2023

Arquiteto, doutorado pela Universidade Técnica da Renânia do Norte-Vestefália, Alemanha. Vice-Presidente da ARRE, European Royal Residences Association.