Imaginem o que seria, no dia de hoje, poder apenas fazer compras nas lojas que fossem também clientes do seu banco, ou só poder levantar dinheiro em caixas multibanco domiciliadas nos respetivos balcões? Por certo, e a menos que optasse por ser cliente de todos os bancos do mercado, não sentiria grande utilidade e conforto nos serviços bancários e teria de andar com a carteira cheia de notas. Felizmente, desde cedo que os bancos perceberam que seriam os primeiros beneficiários se permitissem uma cobertura territorial global dos seus serviços individuais. E foi assim que nasceu a SIBS e a rede multibanco. Ou seja, foram simultaneamente, competidores e cooperantes em benefício de todos. E, com isso, todos ganharam, bancos e clientes. É o que na teria económica se chama de “coopetition”.

As estratégias cooperantes e o equilíbrio de Nash são uma das áreas da Teoria de Jogos sobre o qual teorizou John Nash, matemático americano e Nobel da Economia, cuja história de vida foi celebrizada e excecionalmente interpretada por Russel Crowe no filme de 2001 “Uma Mente Brilhante” (“A Beautiful Mind” no original), do realizador Row Howard.

Estranhamente, ainda há setores essenciais que resistem a adotar estratégias cooperantes para melhorar a sua oferta conjunta e beneficiar o mercado. Infelizmente, e apesar de todos concordarmos com a necessidade rápida da digitalização do país como fator indispensável de desenvolvimento, competitividade e igualdade, o setor das comunicações móveis ainda resiste numa mentalidade de aldeia irredutível gaulesa. Todos perdem, por todos os prismas. E, por isso também no acesso à rede, Portugal não é um país igual. Perde o país, mais uma vez.

Numa recente entrevista, João Cadete de Matos, o Presidente da Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom), voltou a “colocar o dedo na ferida” ao relembrar que em Portugal “há zonas onde não é possível estabelecer comunicações de voz e há ainda zonas significativas do país em que as comunicações através da internet não se fazem“, e que é um “absurdo que em certas zonas do país as pessoas tenham uma antena de rede móvel ao seu lado, mas não se possam conectar porque pertence a outro operador”.  Num país que se prepara para a revolução nos hábitos e comportamentos que a explosão do teletrabalho está e irá provocar, a ausência de uma cobertura de rede global e uniforme em todo território nacional, não é apenas mais uma forma de discriminação entre regiões, mas também um forte limitador às oportunidades de coesão territorial e de redescoberta do Portugal não metropolitano que o trabalho remoto permite. E Portugal até é um país relativamente pequeno.

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A solução técnica é simples e já existe há muitos anos. Chama-se Roaming Nacional. À semelhança do que existe com o Roaming Internacional, que a maioria de nós já utilizou em deslocações ao estrangeiro (basta ir a Espanha e perceber como funciona), trata-se de um acordo entre operadores, que permite a um cliente nacional de um qualquer operador aceder à cobertura de antena de um operador concorrente quando o local do território nacional onde se encontra está insuficientemente servido pela cobertura do seu fornecedor de comunicações móveis. Ou seja, o espetro de comunicações é partilhado em todo o território nacional para que todos os clientes possam comunicar, independentemente do operador de que sejam clientes. Partilhado, é a expressão chave, que teima em entrar em muitos operadores (e até sectores). O pagamento dos serviços é depois compensado entre os operadores de forma semelhante ao exemplo da rede multibanco. E com isso todos ganham. Os clientes, que beneficiam de cobertura global, e os operadores, que beneficiam de um muito provável aumento de utilização de serviços móveis.

No entanto, e apesar das vantagens óbvias, as resistências típicas de personagens do Restelo ainda continuam a impedir o Roaming Nacional. Incompreensivelmente, até ao nível governamental. Numa recente audição parlamentar sobre a estratégia para o 5G, Alberto Souto de Miranda, Secretário de Estado das Comunicações, admitia que receava que a aplicação do Roaming Nacional desmotivasse os operadores a investir em infraestrutura de rede, pelo que não recomendava a sua adoção. Ou seja, para o Secretário de Estado mais vale esperarmos que todos os operadores invistam na expansão da sua rede!

Não tenhamos dúvidas. Se ficarmos à espera, só nos resta esperar um resultado. Que fique tudo na mesma. Relembre-se que foi em 1992, que o primeiro operador de comunicações móveis entrou no mercado. Estamos em 2020, passaram 28 anos.

Um dos problemas crónicos deste país é romper com o establishment, mesmo quando é para fazer o óbvio. E, neste caso, é tão óbvia a forma como podemos dotar o país de condições únicas para criar verdadeira competitividade em todo o território nacional.

Até lá, quando formos à terra dos avós, lá teremos que nos deslocar para perto do “campo da bola” ou do cemitério, pois é o único sítio onde se consegue apanhar rede. Com sorte. Ou então, manter a prática habitual, mas anacrónica, de procurar um qualquer café, ou restaurante, para pedir para aceder à respetiva rede wifi (quando existem).

E isto não é smart.

Resta esperar que possa haver alguma mente brilhante que explique isso aos nossos governantes e operadores.