Josep Borell, Alto Representante para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança da União Europeia, queria ir “à Rússia para falar com ela em vez de (só) falar da Rússia”, mas o facto é que Moscovo apenas conversa com a UE sobre o que quiser e como quiser. Resultado, o dirigente da diplomacia europeia foi literalmente humilhado em público.

Borell pediu a libertação de Alexei Navalny, mas, durante uma conferência de imprensa conjunta, a resposta de Serguei Lavrov foi um autêntico raspanete sem precedentes, sem que o primeiro reagisse.  O chefe da diplomacia russa acusou a União Europeia de “não ser um parceiro fiel”, criticou a “dualidade de critérios” europeia, pôs em causa as provas científicas do envenenamento de Alexei Navalny apresentadas por laboratórios da Suécia e França, aconselhou os jornalistas ocidentais a investigar os seus próprios governos.

Enquanto decorria o encontro entre Borell e Lavrov, Moscovo expulsava três diplomatas de países da União Europeia: da Alemanha, Polónia e Suécia, por terem “participado nas manifestações ilegais” a favor da libertação de Navalny em São Petersburgo e Moscovo.

Além disso, o opositor Alexei Navalny estava a ser novamente julgado por ter “insultado” um veterano da Segunda Guerra Mundial. Durante a campanha para o referendo sobre a revisão constitucional que eterniza o poder de Vladimir Putin, Navalny chamou “lacaios vendidos” a uma série de conhecidas personalidades da política e cultura russas, entre as quais se encontrava o veterano, declarações que passaram na televisão russa.

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A reacção do líder da diplomacia europeia foi de uma fraqueza espantosa: “A minha visita coincide com a detenção e condenação de Alexei Navalny e com a detenção de milhares de manifestantes. Transmiti ao ministro Lavrov a nossa profunda preocupação e reiterei o nosso apelo para a sua libertação e para o início de uma investigação imparcial ao seu envenenamento.”

Mais, as críticas à detenção de Navalny foram ainda mais desvalorizadas quando Borell admitiu que a UE não tem ainda nenhuma proposta para sancionar a Rússia, ou quando desvalorizou a violência exercida sobre os apoiantes de Navalny ao reconhecer que o uso excessivo da força pelas autoridades policiais é um fenómeno que acontece em todo o mundo.

E para que tudo ficasse claro, o Kremlin não autorizou que Borell se encontrasse com Alexei Navalny, considerando que isso poderia dar ao líder da oposição russa o estatuto de “preso político”.

A posição de Borell está a provocar uma forte onda de indignação nos países vizinhos da Rússia que fazem parte da União Europeia. Há quatro anos que um Alto Comissário para a Política Externa e Segurança não ia a Moscovo, em grande parte devido à pressão dos citados países. Desta vez, eles manifestaram-se contra a visita de Borell e os resultados vieram dar-lhes razão: sem dúvida que é necessário dialogar com a Rússia, mas não nas condições ditadas por Putin.

Antes de partir para Moscovo, Borell escreveu num artigo, publicado no Público: “O principal objectivo da minha visita é debater as questões que nos suscitam preocupação relacionadas com o lugar e o papel da Rússia na Europa e, de um modo mais geral, com o seu envolvimento a nível internacional.”

Esperemos que o diplomata europeu tenha tirado conclusões desta sua viagem muito malsucedida.

Aliás, a posição de Borell contrasta fortemente com a do presidente norte-americano face ao Kremlin. Joe Biden prometeu que a Rússia irá “pagar” pelas suas acções, palavras muito mal recebidas por Moscovo, que reagiu de forma muito original: revelou sérias preocupações face às “perseguições” contra os invasores do Capitólio em Washington. “Na sua maioria, são simples cidadãos dos Estados Unidos que não ficam indiferentes ao destino do seu Estado”, declarou Maria Zakharova, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia.

E os simples cidadãos russos que são recebidos à bastonada e são lançados para os calabouços quando apenas querem sair à rua para protestar? Chamo a atenção para o facto de, na Rússia, as manifestações da oposição se caracterizarem por não provocar danos materiais: não há monstras partidas nem lojas pilhadas.

Não há dúvida de que é necessário manter o diálogo com o Kremlin, mas tendo em conta, igualmente, que a actual elite governante russa é mais nacionalista, chauvinista e agressiva do que os antigos dirigentes da URSS depois da morte de Estaline em 1953.

Por isso, é urgente uma aproximação das diplomacias dos Estados Unidos e da União Europeia para enfrentar a actual política externa revisionista e agressiva da Rússia, país que continua a ser um gigante com pés de barro cada vez mais fracos, mas com ambições imperiais.

Nesta situação, é também importante atentar aos processos políticos que têm lugar na Rússia. É verdade que Putin aumenta o aparelho repressivo com vista a neutralizar qualquer tipo de oposição não controlada por ele. Mas também é verdade que as fileiras da oposição aumentam. Navalny ganha novos apoiantes na sociedade russa, não porque concordem com as suas ideias políticas, mas porque veem nele o único político capaz de desafiar o actual regime corrupto e autocrático de um “czar” cada vez mais senil. Rotular os opositores de “agentes estrangeiros”, traidores, é um sinal de fraqueza e de medo perante os próprios cidadãos.

O dirigente russo está a polarizar fortemente a situação, processo que se irá agravar com as eleições parlamentares no Outono.