1 Ao fim de quatro meses de crise política, campanha eleitoral e eleições, temos um vencedor (a Aliança Democrática com 80 deputados e 1.867.013 votos), um primeiro-ministro indigitado às 00h18 desta quinta-feira e uma tomada de posse marcada para o dia 2 de abril. Teremos muito tempo para falar sobre o novo Executivo que deverá ser conhecido a 28 de março.
Com os resultados das legislativas já fechados, quero fazer um último balanço sobre as legislativas a partir da derrota do Partido Socialista e de um facto histórico registado esta quinta-feira: pela primeira vez, um presidente da Assembleia da República em exercício de funções não conseguiu ser reeleito.
Numa eleição tão disputada e claramente marcada pelo verdadeiro grito de protesto dos cidadãos que acorreram às urnas e levaram a taxa de abstenção para o nível mais baixo desde de 2009, o que significa a não eleição de Augusto Santos Silva?
2 Não tenho dúvidas de que o cartão vermelho mostrado pelos eleitores do círculo Fora da Europa a Augusto Santos Silva tem a ver com a forma como exerceu o seu mandato como presidente do Parlamento mas também com a sua forte ligação à maioria do PS. Os eleitores quiseram castigar claramente Santos Silva e os socialistas.
Mesmo dando o desconto da importância dos votos do Chega no Brasil — que representam 75% da votação total que o partido de André Ventura teve no círculo Fora da Europa e que tiveram uma forte influências das forças que apoiam Jair Bolsonaro —, certo é que Santos Silva tinha sido eleito em 2022 e agora não foi por uma larga margem.
Vamos ser claros: Augusto Santos Silva tanto alimentou o ‘monstro’ do Chega para sustentar a estratégia de Costa de colar o PSD a Ventura, que, no final do dia, foi ‘comido’ por esse mesmo monstro.
Santos Silva fez bem em assumir numa entrevista à SIC Notícias o resultado como uma “derrota evidentemente política e pessoal”. Mas as palavras bonitas ficam-se por aí, visto que o socialista recusa admitir que tenha feito algo mal.
Diz que se limitou a aplicar o regimento e desmente várias “mentiras”, como por exemplo, ter censurado o Chega ou ter retirado a palavra aos deputados do Chega. O ainda presidente do Parlamento diz que se limitou a agir quando os deputados do Chega insultaram outros deputados e presidentes de países amigos (deduz-se que aqui esteja a referir-se à visita de Lula da Silva).
E que nunca impediu que os deputados do Chega integrassem as comitivas do Parlamento mas que ele próprio, enquanto presidente do Parlamento, é que deixou de levar deputados nas suas próprias comitivas ao estrangeiro por não “respeitarem regras básicas de cordialidade”.
3 Obviamente que Santos Silva está a tentar lançar areia para os olhos da opinião pública, criando a mistificação de que fez tudo bem porque o Chega é um partido antidemocrático. Não estou a tentar dizer que os deputados do Chega não tiveram comportamentos censuráveis — que tiveram, e várias vezes, sendo que alguns episódios foram efetivamente lamentáveis, como insultos dirigidos à deputada Inês Sousa Real e a outras deputadas.
Repito para que não existam dúvidas: o Chega teve comportamentos reprováveis no hemiciclo, como por exemplo, a forma como recebeu Lula da Silva no Parlamento.
O que estou a querer dizer é que eventuais atos discriminatórios ou até insultuosos estão longe de corresponderem a todos os episódios de tensão entre Santos Silva e André Ventura. Por exemplo, Santos Silva não achou nada melhor em julho de 2022 do que entrar diálogo com o líder do Chega por este ter abordado a política de imigração e dar uma espécie de sabatina de professor, como se fosse um deputado não tivesse direito a expressar o seu ponto de vista sobre qual o caminho que determinada política pública deve ter. Defender uma regulação da imigração, não é defender uma política de discriminação.
Na prática, e isso aconteceu com regularidade, Santos Silva sentia necessidade de falar como se fosse um deputado do PS (em de se comportar com presidente do Parlamento a segunda figura do Estado), deixando de lado a obrigação de ser isento nas condução do trabalho. Se Ventura provocava Santos Silva, este também não lhe ficava atrás, como aquela vez que, de forma totalmente despropositada e provocatória, afirmou que o “Chega considerar-me seu presidente” seria uma “nódoa” no currículo
4 Infelizmente, a realidade não é aquela que Augusto Santos Silva gostaria que fosse. Concordando com a estratégia de António Costa de tentar dar a máxima notoriedade ao Chega — a partir precisamente dessa tensão permanente com André Ventura — Santos Silva foi um dedicado e fervoroso cumpridor da estratégia política de tentar colar o PSD a Ventura para ganhar o eleitorado do centro.
Quanto mais discutia com Ventura, mais Santos Silva ajudava na notoriedade e influência do Chega. Ou seja, Santos Silva criou um monstro que, numa primeira fase, foi controlando mas posteriormente fugiu ao controlo do seu próprio criador.
Até parece que Ventura é o único populista a passar pelo Parlamento desde o 25 de abril. Mas o que fizeram os presidentes do Parlamento quando Francisco Louçã chamou “corrupto” a praticamente todos os primeiros-ministros com quem debateu? O que fazia Santos Silva se Ventura tivesse usado a mesma linguagem que Louçã usou com Durão Barroso ou com Paulo Portas? Ou quando aconselhou buscas à casa de Portas por causa de documentos do Ministério da Defesa?
É verdadeiramente extraordinário que António Mendonça Mendes diga, como disse esta quarta-feira na SIC Notícias, que “o Chega não é um problema do PS”. Bem, a não eleição de Augusto Santos Silva prova precisamente o contrário — porque houve uma disputa direta entre PS e Chega e o partido de Ventura ficou com o deputado que pertencia ao PS. Houve aqui uma transferência direta de voto do PS para o Chega.
5 Augusto Santos Silva, contudo, não foi o único a fomentar um conflito com o Chega. Também o seu antecessor, Ferro Rodrigues, teve uma relação de confrontação (muitas vezes propositada) com o partido de André Ventura. Basta recordar a polémica do uso recorrente do substantivo “vergonha” por parte de Ventura e da forma foi censurado por Ferro Rodrigues por usar repetidamente essa expressão.
O pior em Ferro, contudo, não é isso. É a forma como tenta desvalorizar e descredibilizar até os resultados de eleições legislativas que deram a vitória à AD porque o “Chega beneficiou de uma situação inusitada em que há uma suspeita sobre o primeiro-ministro, e isso mobilizou um número de pessoas a votar na extrema-direita”, afirmou à CNN Portugal.
O antecessor de Santos Silva afirmou à CNN Portugal que “os processos judiciais [Operação Influencer] tiveram de certeza influência nos votos”, uma vez que estas “eleições decorreram por baixo de uma suspeita — infundada até agora — de práticas ilícitas do primeiro-ministro”.
Daí Ferro Rodrigues ter falado em “interferência grosseira do poder judicial (e mais em concreto da procuradoria geral da república) no poder político, que desestabilizou o estado democrático, além de desestabilizar o Governo. E o Presidente da República nada fez para que o primeiro ministro se mantivesse”, acusou o ex-líder do PS.
6 Vozes como Ferro Rodrigues — que desde o caso Casa Pia tem um problema sério com a ação da Justiça porque tocou em pessoas que lhe são próximas —, partem do princípio de que os portugueses são estúpidos e ignoram factos básicos da realidade portuguesa nos últimos meses.
Na prática, o que Ferro Rodrigues está a querer dizer é que a Justiça deve fechar os olhos à queda para a informalidade de António Costa, que a Justiça deve permitir que o melhor amigo do primeiro-ministro possa ser um influencer nas relações entre o poder político e o pode económico, precisamente só por ser o melhor amigo de António Costa.
Ou que o coordenador do Simplex [João Tiago Silveira] tenha de ser um militante socialista conhecido, ao mesmo tempo que é sócio de um dos principais escritórios de advogados [Morais Leitão] e anda a negociar alíneas do Simplex com os seus colegas de escritório.
E, claro, além dessa total promiscuidade, a Justiça deve esquecer os 75.800 euros que foram encontrados no gabinete do chefe de gabinete do PM e a poucos metros do próprio PM. Como também deve esquecer que a demissão de Vítor Escária e de João Galamba já eram 13.ª ou a 14.ª demissão de um Governo de maioria absoluta com menos de dois anos.
As perguntas a fazer são simples:
- Alguém acredita que António Costa tinha condições políticas para continuar como primeiro-ministro, mesmo sem o célebre comunicado da PGR?
- Alguém dúvida que o Chega teria uma votação superiores à que teve, se o Governo do PS tivesse continuado em funções?
Há quem goste da expressão popular “engana-me que eu gosto”…. Mas parece-me claro que os portugueses não gostam e, por isso, votaram de forma muito significativa no Chega e deram a vitória à coligação da AD.
Ferro Rodrigues ainda não percebeu que os portugueses dão importância ao tema do combate à corrupção. Como esse não é, nem nunca foi um tema da sua preocupação — ao contrário dos restantes portugueses que, segundo diversos estudos de opinião, consideram que este tema como o terceiro mais importante — duvido muito que a sua típica arrogância intelectual lhe permita dar um passo atrás e perceber algo tão óbvio.
Texto alterado às 11h22
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