É hoje a reunião do Conselho Nacional do PSD. Na última semana, o PSD chamou para si a atenção da comunicação social como há muito não se via.  Não houve aspecto da oposição entre Montenegro e Rio, dos verdadeiros motivos dos protagonistas ao método de votação de hoje à tarde, que não fosse objecto de finas análises. Pela minha parte, apanhei-me a concordar com muito do que se disse, mesmo quando contraditório entre si. Com o que se disse sobre o mau caminho de Rui Rio, com o que se disse sobre o direito de Rio a ir a eleições, com o que se disse sobre a legitimidade da atitude de Montenegro, e por aí adiante. Quer dizer: concordando com muito, sem nenhum critério que me permita adoptar uma posição nítida, fiquei na posição clássica do boi que vê os comboios passar.

Ou muito me engano ou esta minha triste situação é partilhada pela esmagadora maioria dos portugueses. O que, pelo menos, aquece a alma. É bom ter companheiros de infortúnio, sujeitos a perplexidades idênticas às nossas e padecendo de cansaços parecidos. A verdade é que os partidos são, entre outras coisas, orquestras que nos tocam uma sinfonia. Ela é boa ou má, e eles tocam-na bem ou mal. Se ela é boa e os intérpretes são bons, nós podemos projectar sobre a superfície sonora, por um acto de imaginação, os nossos sentimentos e ver na música, de forma parcialmente ilusória, a exposição desses mesmos sentimentos. Se, em contrapartida, tudo o que a orquestra produz, no meio da tosse generalizada da audiência, é um amontoar de ruídos indistintos sem articulação interna, onde não se consegue distinguir o Bolero de Ravel da Paixão segundo S. Mateus, os espectadores levantam-se e vão saindo da sala, com a excepção dos amigos e familiares dos músicos e de um ou outro crítico conscensioso que espera uma graça salvadora ou a final catástrofe sonora para escrever o seu artigo. Segundo todas as aparências, a orquestra do PSD anda mais próxima da segunda situação do que da primeira. Projectar algumas emoções no que ela oferece à nossa imaginação parece uma tarefa quase impossível. Até porque já passou metade do concerto a afinar (sem sucesso) os instrumentos.

Tradicionalmente, a responsabilidade do mérito ou do demérito da execução é atribuída à misteriosa figura do maestro. Há-os, é claro, de toda a espécie e feitio, desde aqueles que são supostos, como Furtwängler, conseguirem obter uma comunhão com a orquestra através da simples intensidade do seu olhar, e há-os febrilmente gesticulantes, como parece que era Mahler nos seus inícios. Há os que capricham nos ensaios e há os que detestam ensaiar. Há os que detectam a mínima nota falsa na orquestra e há os surdos, como Beethoven, pavor de todos os músicos. Há os que comandam a orquestra e há os que são comandados pela orquestra, versão musical do ilustre Jim Hacker e do “I am their leader, I must follow them”.

Que tipo de maestro é Rio e que tipo de maestro pretende ser Montenegro? Rio teve a seu cargo, no passado, uma orquestra de província, com um reportório limitado, que conduziu com algum sucesso, depois de a encontrar em péssimo estado. Mas agora parece perdido no meio da quantidade de músicos de que dispõe. Conduz de braços caídos, sem expressividade alguma, guardando toda a sua energia para ralhar que nem Toscanini com os elementos da orquestra, que quer mergulhar (foi ele quem o disse, numa indescritivelmente horrível expressão) num “banho de ética”. (Não quero ser pretensioso, mas o banho lava a pele, e aquilo que se chama “ética” é suposto habitar para lá dela.) Os resultados musicais da operação têm ficado muito aquém dos do irascível maestro italiano.

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E Montenegro? Montenegro tem um meritório passado como repetidor. Ajudou, em tempos idos, um outro maestro, e fê-lo com indesmentível competência. Mas não era ele o maestro nem sabemos qual a dimensão real das suas possibilidades. Alguma competência musical não assegura uma proficiência extraordinária de batuta na mão. Quem nos garante que não se vai perder na leitura da partitura?

Sobretudo, e isto vale para os dois, ninguém sabe, por estes dias, qual é a partitura do PSD. Ninguém percebe qual a sinfonia que vão tocar, algo que é imprescindível até para uma pessoa decidir se vai ou não ao concerto. Pode ser tudo e mais alguma coisa. O público navega na mais extrema ignorância. Como pedir efectiva atenção face a uma confusão assim?

Por tudo isto, aqueles que conseguem manter ainda alguma pouca curiosidade na reunião das cinco da tarde de hoje, estão no direito de serem informados não só sobre os cavalheiros que almejam ascender ao pódio de batuta na mão como sobretudo do reportório que estes pretendem oferecer-lhes. Sem isso, como querem que projectemos os nossos sentimentos, as nossas emoções, sobre a música e que a levemos a sério? Alguma informação sobre isso seria bem-vinda. Como dizia o outro: são brancos, que se entendam.